sexta-feira, 29 de novembro de 2013

WTF !?

Acompanhem, amigos leitores, printscreen no site do UOL tirada há pouco, na sessão de Ciência:





A Chance de uma Vida (9)

Saulo foi embora para o hotel de taxi. Não se lembrou do plano de usar ônibus para minimizar custos, nem prestou a menor atenção ao caminho. Por sorte, o taxista não era do tipo que esticava o caminho para tirar uns dólares a mais, mas nem disso Saulo se deu conta. Pagou a corrida e entrou pelo hotel em modo automático.
Na entrada, alguns funcionários colocavam um grande cartaz indicando os números sorteados junto ao corvette que ali estava há alguns dias. Sem olhar para nada, Saulo foi para o quarto. 
Tomou um banho curto e deitou-se nu na cama. Precisava pensar.
Passados 40 minutos, percebeu que não precisava pensar, precisava decidir. Em dois dias se encontraria com um chefe de equipe que lhe faria uma proposta para se tornar um piloto. Mas que tipo de proposta seria? Contrato de um ano? Piloto de testes? Piloto reserva? Ou seria algo menos glamouroso, similar ao que Gary e David faziam ali mesmo na pista de Las Vegas? Na verdade, Saulo percebeu que não tinha informações para pensar. Precisar esperar pelo tal Richard e não fazia sentido preocupar-se mais.
Levantou-se, vestiu-se e saiu para a diversão. Afinal de contas, estava em Vegas e Vegas é um lugar para se divertir, não para pensar.
Ledo engano. De fato, Saulo não tirava a conversa que tivera com Brad da cabeça. Nem mesmo a sensação de velocidade, os momentos em cada curva, a estratégia para ultrapassar David... nada daquilo fixava sua atenção. Saulo ficou até um pouco chateado por não estar saboreando aqueles momentos, mas enfim...
Passou o resto daquela quinta-feira e a sexta perambulando pela Strip. Comeu sem atenção, perdeu quase 200 dólares no black jack, e foi a um show do Cirque du Soleil. Não conseguia se concentrar me nada que não fosse a conversa do sábado. Ali pelas tanta-se, deu-se conta de que não marcara horário, apenas dera o nome do hotel onde estava hospedado. Isso o obrigaria a ficar plantado no quarto do hotel esperando a tal reunião. 
Passou por uma loja de conveniência e comprou duas revistas para lhe fazer companhia, uma das quais de carros e outra de celebridades. Não que tivesse alguma esperança de salvar seu péssimo inglês a tempo da reunião, mas não custava investir um par de minutos nisso. Voltando ao hotel folheava a revista e não se deu conta de que aquele corvette não estava mais na entrada do hotel. 
Jantou ali mesmo e foi deitar cedo. Dormir jamais seria um verbo adequado para descrever aquela noite.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (8)

Tão logo recebeu a bandeira quadriculada, Saulo aliviou o motor. O carro deslizou pelo traçado perdendo velocidade. Conduziu pelas curvas 1 e 2, mantendo a velocidade na reta. Atento, Gary apenas seguiu o protocolo, avisando para entrar nos pits. 
Saulo procedeu com cuidado, e novamente viu Brad esperando por eles. Tinha alguns papeis na mão e, novamente, cara de poucos amigos. Saulo se perguntou se a gravação falhara novamente. 
Após parar o carro, um dos mecânicos começou a ajudar Saulo a sair do carro. Desta vez, porém, Brad veio falar com ele. Estranho: não percebeu ter feito nada errado. Provavelmente era a gravação mesmo. 
Assim que Saulo tirou o capacete, Brad se lembrou de que precisava escolher as palavras com cuidado para o rapaz entender. 
- Saulo, estou com os dados da sua volta aqui.
- A gravação funcionou ?
- Ehm... ah, sim. Claro, funcionou perfeitamente - disse Brad, lembrando da história de cobertura contada meia hora antes.
- Que bom.
- Mas eu queria falar com você sobre suas voltas.
- O que tem elas?
- Por que você demorou tanto para ultrapassar o outro carro?
- Algum problema?
- Não... Sim, na verdade. Eu queria saber porque você demorou. Os dados da telemetria mostram que você estava acelerando menos na saída da curva 2.
- Sim, estava.
- POR QUE ?
Saulo se assustou. Não havia razão alguma para aquilo. Era um passeio apenas, e ele deveria ter que dar explicações. 
- Por que eu não queria dar chances a ele.
- Não faz sentido. Você tinha velocidade para passar nas voltas 4 e 5. Talvez até na 3 fosse possível. Eu só queria saber por que você esperou.
- Não queria que ele passasse de volta.
- E quem disse que ele passaria ?
- Ninguém. Mas passando na última ele não teria a oportunidade.
- Como assim ?
- Eu vi que estava mais rápido na saída da curva 2.
- É. Tanto que ficava segurando o acelerador.
- Mas eu não sabia porque eu era mais rápido. 
- Como assim ?
- Tem vários motivos, não ?
- Quais, por acaso ?
- Ele também podia estar aliviando para me dar uma chance. Se fosse isso, podia passar numa boa. Também podia ser algum problema de acerto, o carro dele podia estar muito preso na saída da curva e por isso eu estava mais rápido. Mas podia ser o...
- O que ?
- Ai como chama mesmo? Vácuo - Saulo lembrou -se que o termo em inglês era draft.
- E se fosse ?
- Se fosse eu é que ia dar o vácuo para ele depois e ele poderia tentar passar de volta. Passando na última volta, não teria outra reta com vácuo. Na curva 4 ele não ia me passar por fora.
- Como você sabe ?
- No video game não funciona. 
- Mas que diabos de critério é esse ?
- Estou errado ?
- Não mas...
- Então, Brad, por favor, explique porque você está bravo assim !
Brad hesitou. Olhou para a telemetria e o rapaz havia baixado o tempo de volta em outros dois décimos de segundo na última volta, quando fez a ultrapassagem. Brad olhou para Gary
- Ele pilotou limpo ?
- Totalmente. Nem se preocupou de estar perto do David. É natural, Brad.
Brad tirou um pen drive do bolso e entregou a Saulo, que o pegou. A conversa mudou completamente de tom.
- Saulo, essa é a gravação da primeira bateria. 
- Mas...
- Foi um modo de manter você aqui mais tempo e fazer esse teste.
- Que teste ?
- A segunda bateria era um teste.
- ...
- Saulo, na sua bateria houveram alguns problemas e você nos surpreendeu com sua velocidade. 
- Sério ?
- Sério. Então resolvemos ver se você é bom ou teve sorte. E você foi muito bem. Realmente, fazia muito tempo que não víamos isso.
- Legal. Mas e daí ?
- Bem... Eu vou ligar para um sujeito que vai querer conversar contigo.
- Sobre ?
- Ele vai te fazer uma oferta. Truck Series.
- Espera, Brad... Mais devagar. 
- É isso, garoto. Você é um talento, e esse cara vai te oferecer um carro para algumas provas na Truck.
- Como assim. Truck ?
- Sim, truck. Competir de verdade.  
- Mas... eu sou só um turista, Brad. Vou embora daqui uns dias. Tenho emprego lá no Brasil.
- Amigo, é o seguinte: eles chega em dois dias e quer te ver. Em que hotel você está ?
- Luxor. 
- Ok. Ele vai te procurar lá.
- Mas...
Não havia como continuar aquela conversa no mundo real. Ele estava sonhando, tinha certeza.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (7)

Brad coordenou o final das atividades da manhã sem muita atenção. Os rapazes sabiam seu trabalho e raramente as coisas saíam do eixo. O caso mais grave aconteceu 4 anos antes, em outra pista, quando um senhor de mais de 60 anos teve um ataque cardíaco dentro do carro. Acidentes mesmo, verdade seja dita, eram raríssimos e nunca passaram de raspões no muro. 
O caro número 68 usado por Saulo foi recolhido. Era preciso ligar a telemetria. O procedimento era simples, apenas demandava alguns minutos. Nenhuma surpresa até aí, pois o rapaz achava que tinha um problema no sistema de gravação de dados. A equipe aproveitou para arrumar o botão de comando do redutor de potência do motor. 
Quando os demais participantes terminaram suas baterias, Brad fez com que fosse firme e delicadamente conduzidos para fora da pista. Os carros 70 e 68 foram alinhados. Saulo e Gary entraram no 68 e o 70 foi ocupado por outro piloto chamado David. No último instante, alguém percebeu a diferença de peso e um dos mecânicos foi escalado como co-piloto contra-peso.
Já no carro, Gary deu a última instrução:
- É simples, sr. Saulo. Vamos segui-lo na volta de saída. Depois da bandeira verde, seis voltas para ultrapassá-lo. Entendeu ?
- Sim. Bandeira verde, seis voltas.
E assim partiram. Saulo seguiu o carro 70 pela volta de saída. Como sequer sabia como sair rápido dos pits, sequer tentou acompanhá-lo. Já na curva 2, passou a acelerar para aproximar e na reta estava rápido e a cerca de 25m de distância. Gary fez um sinal e indicou para Saulo se aproximar, o que ele conseguiu parcialmente. Contornaram as curva 3 e 4 e foi dada bandeira verde.
A primeira volta foi de aprendizado e Saulo optou por não atacar o carro 70. Queria ver como ele fazia as curvas 2 e 3. As curvas 1 e 4 já estavam dominadas. Conforme ele imaginou, o carro 70 simplesmente ignorava as marcas de frenagem e aceleração. Na curva 2, ele abriu novamente a distância, mas Saulo saiu rápido da mesma e pode compensar um pouco na reta. A curva 3 tudo se repetiu, mas de algum modo, Saulo previu o momento de retomar e aceleraram praticamente juntos. Novamente, na saída da curva Saulo se aproximou um pouco e achou aquilo interessante. 
A segunda volta foi de aplicação. Fez exatamente a mesma coisa que o carro 70 fizera na primeira, com melhor desempenho nas saídas de curva. Saulo não deixou de observar o padrão: em quatro curvas, fora mais veloz em todas. O resultado da segunda volta foi aproximar um pouco do carro 70 devido à vantagem das saídas de curva. 
A terceira volta foi de aprimoramento. Seria possível fazer as curvas diferente, e melhor, do que ele? Seria possível frear ainda mais dentro e acelerar ainda antes? Ele percebera que tinha a vantagem. Ou seu carro era melhor ou o outro piloto estava dando uma chance para ele se aproximar nas saídas de curva. O fato é que a brincadeira era divertida. Desta vez, achou o limite do carro já na curva 2. Precisou controlar com precisão o volante, mas o carro saiu colado no 70. Chegou a tirar um pouco o pé na reta e contornou a curva 3 junto a ele. Novamente precisou tirar o pé na saída para não bater. Gary falou pela primeira vez
- Por dentro. Por dentro. 
Saulo fechou a volta 3 e abriu a 4 forçando um pouco para dentro o traçado. Notou que o carro não gostou daquilo e a velocidade não era a mesma. Não conseguiria passara assim. Fez a curva 1 próximo ao 70 e na saída voltou a sentir a aproximação. Gary voltou a indicar para ele tentar ir para dentro, mas Saulo ficou atrás, mantendo a linha. Gary se perguntava se o rapaz tinha amarelado. Terminou a volta 4 colado no 70, mas sem tentar mudar o traçado para ultrapassar.
A volta 5 foi praticamente uma cópia da volta 4. Saulo contornava as curvas melhor, economizava potência na saída das curvas e continuava próximo ao 70. Nos boxes, Brad via os tempos de volta e não estava entendendo a hesitação do rapaz. Ao final desta, bandeira branca indicando que faltava apenas uma.
Era o momento de fazer o movimento. Saulo contornou a curva 2 como nas vezes anteriores, mas não segurou o pé na saída. O carro se aproximou rapidamente, e ainda no primeiro terço da reta ele puxou para a esquerda, por dentro. Seguiu acelerando e ganhou a posição com extrema facilidade. Procurou por ele no retrovisor e foi nesse momento que descobriu que não tinha um. Assustado, gritou no microfone para Gary
- Gary, onde ele está?
- Não se preocupe. Faça sua curva. 
- E se bater?
- Não vai bater. Faça a curva.
Saulo contornou a curva 3 pelo traçado que conhecia. Rezava para que o carro 70 não estivesse tentando retomar a posição, pois neste caso bateriam. Mas tudo correu bem. Fez a curva 3, depois a 4 e terminou a frente do carro 70. 
Que dia era aquele !

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (6)

Quando Saulo parou o carro, Brad dirigiu-se para o lado direito, para falar com Gary. Saulo ficou mais tranquilo. Vira a expressão de irritação no olhar do coordenador, mas concluiu erroneamente que ele não tinha nada a ver com a causa. 
Mais experiente, Gary saiu sozinho e com facilidade do carro. Saulo contou com a ajuda de dois assistentes. Tão logo Gary tirou o capacete, Brad começou a falar. 
- Sr. Kaszcinky, o senhor pode me explicar o que aconteceu dentro desse carro ?
O tratamento pelo sobrenome indicava que a situação era séria como Gary previra. Tinha uma frase para se explicar, ou ao menos manter a atenção de Brad nele. Escolheu as palavras e respondeu, tentando demonstrar calma e firmeza nas informações.
- Brad (optou pelo tratamento informal corriqueiro), acho que o rapaz não entende uma palavra em inglês, pois simplesmente não estava seguindo as instruções que eu passava. E redutor de potência não funcionou.
A beira de gritar, Brad respondeu:
- É sr. Hayworth. E você quer que eu acredite nisso, sr. Kascinky ?
- Olhe o botão aqui ! - disse Brad apontando para dentro do carro. Brad olhou e, de fato, o botão estava completamente solto. Não havia como reduzir a velocidade. 
-...
- E olha a cara de bobo dele, Brad - arriscou-se - Ele não está entendendo nada do que estamos falando.
De fato, Saulo estava com aquele olhar estasiado comum a todos os participantes desse tipo de passeio. E eles conversavam a 3 metros dele, não tinha como não ouvir, apenas não entender.
- Ok, ok. Mas vocês me deram um susto danado, Gary. Não sabia se ele ia arrebentar o carro ou bater o recorde da pista andando rápido daquele jeito. Isso não pode acontecer...
- E o recorde ?
- Hein ?
- O recorde. Ele bateu ?
Brad olhou para Saulo, que se atrapalhava tentando tirar o macacão. Sorria como uma criança. Era a benção da ignorância.
- Quase 4 décimos abaixo.
- Brad, eu estava lá dentro. O rapaz é bom. A telemetria estava ligada ?
- Não, claro que não. Como iríamos imaginar ?
Brad estava mais calmo. Foi tudo uma grande equívoco e ninguém saiu machucado.
- Brad, esse tipo de talento não aparece todo dia.
- Eu sei muito bem o que você está tentando dizer.
- Você sabe o que está em jogo aqui. Richard está procurando novatos pelo país inteiro. Vamos indicar esse, oras. Afinal de contas, só veio retardado pilotar aqui o mês todo.
Brad aliviou a tensão e sorriu pela primeira vez. 
- Lembra daquele árabe querendo trocar as marchas ?
- E os irmãos japoneses, que queriam andar no outro sentido ?
Ambos riram juntos.
- Ok, mas e se ele não for isso tudo, Gary ? Se ele não tinha a menor noção do que estava acontecendo, pode ser daqueles talentos natos que quebram sob pressão. Não quero indicar um babaca para o Richard.
- Bota ele na pista de novo. Vamos colocar pressão aqui mesmo, oras. E não venha me falar em custos: os carros estão aí, é só colocar gasolina para outro turno e vamos ver o que acontece. 
- E qual a sua ideia ? Esquema caçador ?
- Pensei a mesma coisa. 
Sorriram um para o outro.
- E o que eu vou dizer para ele ?
- Diga o que você quiser, Brad. Ele não vai entender mesmo.
Brad andou na direção de Saulo, que aguardava do lado de dentro do pitwall. O rapaz não era indisciplinado, no fim das contas. Era uma questão de não ter entendi patavinas do que estava acontecendo. Precisava falar de modo simples para ele entender. E precisava de uma boa história de cobertura para fazer o tal teste do caçador.
Passou a falar mais lentamente, e com o linguajar mais simples possível.
- Sr. Saulo ?
- Sim.
- O sr. entende inglês ?
- Muito pouco.
- Ok. Sr. Saulo, houve um problema no seu passeio.
- Problema ?
- Perdemos os dados. Perdemos a filmagem. Entende ?
- Oh. Que pena - disse Saulo, achando que seria reembolsado por uma parte das despesas. 
- Para compensar, oferecemos que o senhor faça outro passeio no mesmo carro. 
- Outro ?
- Sim, e um pacote diferente. Melhor.
- Não entendi, Brad.
- Andar de novo, pacote melhor, sem custo.
- Sem custo ?
- Sem custo algum para o senhor.
- Legal !
- O senhor aceita, então ?
- Claro. Quando vai ser ?
- Vamos terminar os outros da sua bateria antes, se o senhor não se importar.
- Como ?
- Mais tarde. Meia hora.
- Ah, sim. Tudo bem.
- E vai ter uma diferença.
- Diferença ? De valores ?
- Não sr. Saulo. Sem custos adicionais.
- Não entendi.
- Vamos colocar outro carro na pista logo a sua frente. O senhor terá seis voltas completas para passar ele.
- Passar o outro. Entendi. Seis voltas ?
- Seis voltas. É nosso modo de pedir desculpas pelo problema com os dados. E vamos cuidar e gravar tudo desta vez. 
- Legal. Outro passeio. Gostei daqui. Gary vai comigo de novo ?
Brad e Gary se entreolharam. 
- Vai sim. 
Saulo sentou-se e voltou a se pensar na pista. Bacana: ganhar um passeio grátis porque um pen drive não funcionou. 
Gary perdeu 5 minutos explicando que apontar para a esquerda significa ir mais para dentro da pista, e direita era para fora. Desta vez, Saulo pareceu entender.
Brad fez uma ligação para o tal Richard, que demonstrou interesse polido pela história. Pediu apenas os dados gravados e uma maneira de entrar em contato com o rapaz. 

Nesse meio tempo, uma moça loira muito bonita chama Jennifer, que por pouco escapara da vida na prostituição dois anos antes, sorteava 6 bolinhas numeradas em uma sequência bastante particular para esta história.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (5)

Ao contrário do que se pode imaginar, Saulo não estava tenso. Ansioso, sim; agitado, talvez. Ele não apertava o volante do carro, mas o conduzia quase com delicadeza. Podia sentir a resposta da suspensão dianteira. Estava fazendo tudo com precisão, cuidado e esmero.
Contornou a curva 1 como se ela não existisse. Todos os pilotos faziam isso nas corridas, por que ele não deveria fazer o mesmo ? Na aproximação da curva 2, Gary seguiu o protocolo falando e indicando redução de velocidade. Aquilo surpreendeu Saulo, que esperava comunicação apenas depois da curva 2 e não antes. De todo modo, ele tinha um plano e o estava seguindo.
Entrou na curva ainda acelerando para tirar o pé do acelerador apenas 10m depois da marca de redução. O carro aceitou bem o comando e contornou a curva com suavidade apesar da velocidade. E para manter uma simetria, 10m antes do ponto de aceleração, Saulo retomou a velocidade, mas novamente sem ser ríspido com o equipamento. Acelerou gradativamente, mas já estava com o acelerador no fundo antes da tangência externa da curva. Pilotava como um profissional, em suma.
Esses detalhes todos não passaram despercebidos a Gary, que optou por não comentar nada na hora. O rádio era monitorado e gravado, e sua função era mandar o novato desacelerar se quisesse manter seu emprego. Seguiu indicando para ele manter a velocidade no meio da reta, ordem que foi ignorada, e reduzir na aproximação da curva 3, o que só foi feito tardiamente para seu gosto. Nada disso surpreendia Gary mais.
O contorno da curva 3 foi simplesmente perfeito. Como na curva 2, Saulo sabia que as marcas de frenagem e aceleração eram para pessoas comuns, e optou por usar os mesmo 10m, aproximadamente, como atraso da primeira e adiantamento da segunda. Funcionou bem, o carro novamente aceitou seus comandos, como uma moça apaixonada dançando uma valsa com recém-marido. A curva 4 ficou para trás sem incidentes e Saulo ficou satisfeito com o que fizera. Seguiu então para a última volta da bateria.
A curva 1 não merecia mais comentários. Era ora de arriscar mais e deixou para frear um pouco mais dentro da curva. Desta vez, ficou mais próximo do limite e pode sentir o carro escorregando para fora da curva. Virando um pouco mais o volante, pode manter o carro na linha correta, mas percebeu que não poderia fazer muito mais do que aquilo. Acelerou ainda mais cedo para uma ótima saída de curva e com isso seguiu pela reta. 
Na reta, era ora de pensar sobre a curva 3. Deveria manter a estratégia da volta anterior ou arriscar, assim como fizera com sucesso na curva 2 ? Se arriscasse e desse certo, pensou, talvez tivesse o tempo bom que Gary o incentiva a fazer. Se errasse, perderia o efeito da curva 2. 
Optou pelo conservadorismo. Fez a curva 3 nos mesmos moldes da volta anterior e também isso foi percebido por Gary. Com isso contornou a curva 4 e fechou sua última volta lançada. 
Gary estava atento. Se o rapaz fosse fazer alguma gracinha como tentar continuar a bateria seria agora. Mas não foi o que ocorreu. Tão logo passou a bandeira quadriculada, Saulo tirou o pé. 
- Bem, pensou Gary, temos o cartão de crédito dele, afinal de contas. Pelo menos nisso ele deve pensar.
Saulo fez a curva 2 deixando o carro deslizar. Até balançou um pouco, pois nunca fizera essa curva tão lento. Seguiu pela reta mantendo a velocidade de passeio e reduziu mais no final, já pensando na entrada dos pits. Gary apontou para a esquerda e disse "parar", palavra que Saulo entendeu e obedeceu. 
O carro entrou nos boxes até lento demais e Gary teve que pedir para ele acelerar um pouco. Ao final do pitlane, a equipe o aguarda para retirá-lo do carro. Pode reconhecer Brad na pista, mas não percebeu, ainda, a expressão furiosa que ele tinha no olhar.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

De passagem

Só de passagem, vou interromper meu conto para comentar o lançamento dos Iphones novos aqui no Brasil.
Vindo para o trabalho de carro, ouvi matéria sobre um garçom que foi um dos primeiros a comprar o gadget. O rapaz chegou na fila mais de 1 dia antes, às 6h, e contou com uma prima para revesar na fila e comprou o aparelho por R$ 3.600.
Veja bem, amigo leitor, o ponto não é se ele é garçom, piloto de lancha ou arquiteto de interiores: nenhum aparelho vale isso
Com esse dinheiro, fora a possibilidade de se ir aos EUA, comprar um aparelho lá e voltar (veja análise para o PS4 aqui), pode-se:
- comer em um restaurante prato feito por um ano (R$ 10 x 360 dias)
- comprar uma moto Honda Biz usada, ano 2008 (achei um anúncio de uma no Mercado Livre por R$ 3500)
- comprar 2 Samsung S4 na Oi que, na boa, é muito mais aparelho que essa bosta da Apple.
- Usando uma média de R$ 11 por quilo, comprar 327Kg de pão.
- Usando o preço de R$ 1,70 por lata, comprar 2117 latas de cerveja.
Enfim, eu podia passar o dia falando disso, mas nada explica nem o preço muito menos a neura de comprar essa porcaria.
Sofra, sr. garçom, pois você é um burro agudo.

A Chance de uma Vida (4)

Saulo manteve a aceleração pela curta reta de chegada e contornou a curva 1 ainda de pé embaixo. Gary não gostou disso e ficou atento a como o rapaz faria a aproximação da curva 2. O carro é seguro e o rapaz não parecia um completo imbecil, mas ainda assim algo sempre podia dar errado e a responsabilidade por isso era dele. O fato de estar dentro do carro e poder sofrer as consequências físicas do acidente reforçava essa percepção.
Não deu outra. Saulo tirou o pé apenas no último instante, contornou a curva muito bem e acelerou no ponto indicado. 
No meio da reta, já muito rápido, ele falou "manter" pelo rádio, e fez o sinal de mão aberta com a palma para baixo, conforme as instruções iniciais. Foi aí que o péssimo domínio do idioma inglês começou a mudar a vida de Saulo. Embora o áudio estivesse perfeito, ele não entendeu a palavra pelo rádio. E interpretou o sinal de mão como "mais ou menos", ao estilo brasileiro de gesticular. Como haviam completado a volta 2 há algum tempo, ele imaginou incorretamente que Gary recebera informações sobre o tempo de volta e que esta havia sido ruim. O resultado disso foi que ele continuou acelerando fortemente. 
Na marca frenagem da curva 3, Saulo tirou o pé, mas menos que na volta anterior. Estava arriscando fazer o traçado um pouco mais rápido e o carro conseguia contornar. Atento a isso, Saulo acelerou um pouco antes do ponto indicado e, novamente o carro era capaz de fazer a curva. Seguiu com o pé embaixo pela curva 4, completou a terceira volta e seguiu disposto a inovar na curva 2 também. 
Gary continuava falando para o rapaz manter e não acelerar, mas ele não estava obedecendo. Garoto rebelbe, pensou ele, e decidiu que era hora de interferir acionando o redutor de potência do motor, alterando a potência de 100% para 90%. O motor continuou como antes e Gary ficou realmente preocupado. Mudou o marcador para 80% quando eles já se aproximavam da curva 2 e mais uma vez nada aconteceu. 
Saulo fez como na curva 3 da volta anterior. Reduziu no ponto indicado, mas menos do que antes. Deveria ser suficiente para melhorar o tempo. O carro balançou um pouco desta vez, fazendo com que ele fizesse a curva um pouco mais para fora. Gary reduziu o marcador para 70% e o botão escapou entre seus dedos. O redutor estava quebrado e nada podia ser feito com ele.
No meio da reta oposta, Gary voltou a falar com Saulo. Mandou ele reduzir o ritmo, fazendo o sinal com o polegar para baixo. Novamente, Saulo não entendeu o áudio e interpretou errado o sinal de mão. Em bom português aquilo era um negativo. Gary não notou que estava fazendo o sinal no mesmo ponto da volta anterior. Saulo notou, e achou que era nova informação sobre o tempo de volta, desta vez da volta 3. E como ele errara a curva 2 da volta 4, seu momento estava passando. Ele precisava de uma volta 5 perfeita. 
E Gary só precisava sair dali vivo. 

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (3)

Checados os cintos de segurança e HANS de Saulo e Gary, Brad deu um sinal de ok, liberando o carro para a pista. Gary fez um sinal positivo para Saulo, que acelerou com cuidado soltando a embreagem do carro lentamente. Tudo que ele não queria era passar a vergonha de deixar o carro morrer no pit lane. O carro deu um salto a frente e acelerou macio. Saulo sorriu embaixo do capacete. 
Ele lentamente aplicou potência e o controle era muito mais firme do que ele imaginava. Na saída dos boxes, Gary fez um sinal de 2 com os dedos da mão esquerda, e Saulo passou para a segunda marcha e pisou mais forte. O carro respondeu como esperado. Por volta dos 5 mil giros, ainda baixo para esse tipo de motor, Gary indicou 3. Saulo passou a terceira marcha e pisou o que ele considerava ser 80%. Teve toda a reta oposta para ganhar velocidade. Mesmo com a indicação de um cone do lado direito da pista, sinal de redução de velocidade, Saulo engatou a quarta e última marcha, contornando a curva 3. O carro virava mais do que ele esperava, indicação de que ele podia estar muito mais rápido do que aquilo. 
No meio da curva 3, uma surpresa: a marca de 2 cones à esquerda, sinal de que ele podia acelerar novamente, apareceu no meio da curva. 
- Uau - pensou ele - eu posso acelerar aqui ele esse carro termina a curva ?! Isso vai ser realmente forte...
E pisou um pouco mais ganhando velocidade na curva 4 e fechando a primeira volta. 
Saulo ainda não confiava de todo no carro, então decidiu fazer uma segunda volta ainda sem força máxima. Contornou a curva 1 sem dar toda potência e tirou o pé antes da marca de redução. Como Saulo contornou a curva 2 dentro das marcas indicadas na pista e reduzira antes do sinal, Gary não tinha instruções a dar e permaneceu observando. Saulo acelerou até o meio da reta e e manteve a velocidade na segunda parte. Novamente, era o que Gary esperava. na curva 3, Saulo usou toda a pista, reduzindo apenas na marca externa com um cone. Manteve a velocidade, passou pelas marcas indicadas no chão, e acelerou exatamente no ponto indicado. 
- O cara é obediente - pensou Gary - vai ser um passeio tranquilo com ele. 
Mal sabia ele o que estava por vir.
Terminada a segunda volta, Saulo se sentiu confiante e acelerou mais. Fez a curva 1 mais rápido, ainda sem dar o máximo possível. Reduziu para a curva 2 no ponto exato indicado, contornou com segurança e conforto e voltou a acelerar no ponto certo. Fez a reta quase com o pé embaixo e repetiu a manobra da curva 2 ao chegar à curva 3. Percebeu, então, que elas são diferentes na prática: como as curvas 4 e 1 são leves, o carro chega mais rápido à curva 2 do que na curva 3. Significa que ele podia frear menos nela. Foi o que fez.
O carro balançou um pouco de traseira, mas estava no eixo certo. 
- Ele quer mais - pensou Saulo sobre o carro - então vai ter mais. Sorriu. 
Gary estava preocupado. Achou o garoto abusado e potencialmente perigoso. Deslocou sua mão direita para o redutor de potência, pois poderia ser necessário. 
Saulo acelerou tudo para terminar a segunda volta lançada e fazer uma boa terceira volta. Contornou a curva 4 com o pé embaixo, passou pela linha de chegada e partiu para a volta seguinte disposto a fazer um bom tempo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A chance de uma vida (2)

Saulo acordou cedo. Checou suas coisas com calma: documentos, carteira, voucher para o "passeio"... tudo certo. Tirou alguns dólares a mais do cofre do quarto, para o caso de uma necessidade. Com não queria contratempos, optou pelo café da manhã no próprio hotel. Logo que entrou no salão, percebeu o erro que cometera: era possível almoçar ali, mas ele estava bastante ansioso com o que estava por vir, e levemente enjoado. Comeu frutas e um pão integral com bacon, com toda a calma. A comida caiu bem.
Na saída, olhou para o recibo do café e só então viu que, na verdade, estava atrasado. Maldito fuso horário!
Apressou-se até a recepção do hotel e chamou um taxi. Essa parte, pelo menos, foi rápida. Entrou no mesmo e logo explicou que queria ir ao autódromo. Era um pedido incomum, mas não impossível. Não mais do que 50 pessoas passavam por ali em um dia como aquele, mas o rapaz podia perfeitamente ser um deles, pensou o taxista. E era longe, o que daria uma boa corrida. No caminho, foi se concentrando no que estava por vir.
Trata-se de uma empresa especializada nesse tipo de diversão. Eram vários pacotes para pessoas com qualquer grau de experiência em pilotagem podem ir a uma pista real com um carro bastante próximo dos usados nas corridas da Nascar. Saulo optou pelo pacote mínimo, de apenas 8 voltas, sendo apenas 6 voltas completas na prática. Se chegasse a tempo, seria divertido.
Antes que pudesse entender, estava chegando ao Las Vegas Motor Speedway. A corrida de taxi custou quase 100 dólares, que ele pagou culpando a si mesmo pela estupidez do atraso. Seu plano era gastar metade disso indo boa parte do caminho de ônibus.
Mais tenso do que já estava, Saulo entrou na recepção como um trem que comeu um lanche estragado doze horas antes. De fato, estava alguns poucos minutos atrasado e olhar de reprovação da atendente era nítido. Ciente de que estava errado, procurou agilizar a chegada e a documentação. Vestiu o macacão já com o vídeo de segurança em andamento. Ele nem prestou atenção ao sistema de redução de potência que o instrutor teria acesso durante a bateria de 8 voltas, mas mesmo que estivesse atento, era mais provável que não entendesse muita coisa. Ao menos, conseguiu entender os tais cones de marcação, mais pelas imagens do que pelo áudio: o ponto de frenagem era marcado por um cone laranja do lado de fora da pista e o ponto de aceleração eram dois cones laranjas do lado interno. Simples.
Isto feito, sua tensão foi trocando o atraso para a pilotagem. Era sua primeira vez em um carro de corrida e aos poucos suas emoções se davam conta disso. Passou a pensar mais no momento. Las Vegas tinha um circuito de quatro curvas em forma de trapézio gordo. Embora de geometria simétrica, cada curva tinha suas próprias características. As curvas 2 e 3, as maiores, possuem entradas bem distintas, principalmente por virem uma de uma reta e a outra de curvas rápidas. No video-game, o ponto de aceleração era sensivelmente diferente, mas ainda assim, no meio da curva. Fácil de fazer o console, mas quando seu corpo está dentro do carro, o cenário é outro.
O coordenador dessa atividade era Brad Hayworth. Gordo e careca, era um sujeito sorridente até que alguma questão de segurança fosse envolvida. Ele deu as instruções finais, e viu que brasileiro atrasado estava escalado para ser um dos primeiros a correr. Com ar de reprovação, Brad indicou o instrutor Gary Kaszcinky para acompanhá-lo. 
Eles entraram no carro com ajuda dos mecânicos e os cintos de segurança foram ajustados. Gary, então, explicou pelo rádio os comandos básicos que usaria para ajudar Saulo em sua aventura automobilística. Acelerar, frear, manter, para dentro e para fora. Saulo dizia entender, mas na realidade estava totalmente perdido nas instruções. Gary não falou nada sobre o redutor de potência do motor, pois essa informação fora passada no video de segurança. Não era algo crítico a ser dito, mas a coincidência dos fatos fez com que Saulo não tivesse a menor ideia de que esse redutor existisse.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A chance de uma vida (1)

Saulo tinha 27 anos quando sua vida deu a reviravolta de que trata esta história. Nascido em Campinas, mudou-se para São Paulo para cursar Administração de Empresas aos 17 anos. Formou-se 4 anos depois, sem nenhum feito assombroso. Era apenas um sujeito comum vencendo as barreiras acadêmicas em busca de uma carreira.
Carreira esta que não teve um bom começo. Seu primeiro emprego foi marcado por uma desavença com o chefe. Era algo trivial sobre procedimentos internos, mas que acabou escalando para uma discussão acalorada. Saulo percebeu o erro ainda no calor dos fatos e ainda tentou contornar o problema, mas já era tarde. Acabou demitido semanas depois, mas pelo menos teve uma carta de recomendação. 
Seu segundo emprego foi um daqueles azares realmente injustos. Experiente com o erro anterior, estava disposto a seguir as regras do jogo, objetivo que cumpriu com ardor nos 8 meses que se seguiram. No entanto, uma reestruturação corporativa fez com que sua área desaparecem da noite para o dia. E lá estava ele com a segunda carta de recomendação.
As coisas só foram se encaixar quando ele aceitou uma oferta no setor bancário. Levou dois anos em vagas técnicas com muito trabalho e pouco reconhecimento. Quando ele achou sua brecha, conseguiu um cargo de coordenação e logo estava uma gerência baixa na corporação bancária de origem espanhola.
Depois de passar 15 meses ajustando processos e pessoas, finalmente pode tirar um merecido período de férias. Quatro meses antes das mesmas, escolheu Las Vegas como destino. Havia terminado um namoro recentemente e estava disposto a agir como um homem adulto e descompromissado no assim chamado playground da América. Não estava nos planos reatar com Patrícia semanas depois de comprar as passagens, e ela estava bastante desconfiada dos planos de viagem Saulo. Passagem e estadia pagos, ele não desistiu, mas optou por adaptar a viagem para outros passeios, por assim dizer, mais publicáveis. E seu gosto por carros o levou para uma sessão com um carro de corridas no autódromo local. Não sabia ele que essa decisão mudaria sua vida.
Saulo viajou em um domingo, pois a passagem aérea era sensivelmente mais barata. Chegou a Houston e logo emendou a conexão para Vegas sem maiores transtornos. Pegou um taxi até o hotel, apenas para descobrir que o mesmo oferecia um serviço gratuito de vans. É o tipo de coisa que irrita um sujeito cansado da viagem. Mas isso era culpa, de modo simples, do próprio Saulo. Seu domínio do idioma bretão, ao contrário do que ele mesmo achava, era sofrível. Passou o resto do dia perambulando pelo hotel cassino em forma de pirâmide, algo que parecia muito bonito pela internet, mas ao vivo era bem cafona.
No segundo dia de viagem, tomou coragem e começou a sair na rua. Almoçou e, de volta ao hotel, resolveu apostar. Perdeu comedidamente, como era seu estilo sempre que jogava pôquer. E como o jogo é o mais popular entretenimento da cidade, comprou o equivalente a uma rifa para o sorteio de um Corvette. Nunca passou pela cabeça dele que não teria o que fazer com o tal Corvette caso ganhasse, mas o destino se encarregaria de cuidar até deste aspecto. 
E assim ele terminaria o último dia normal de sua vida, indo dormir relativamente cedo e absolutamente sóbrio para aproveitar os 500 dólares gastos no tal passeio com o carro de corrida. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

USA 2: Dia 20 - Chave de Ouro

Que tal fechar a viagem com algumas chaves-de-ouro, hein?
Pela manhã, fomos eu e Maurício a Chinatown. Aquela mesma, dos filmes e tal. Ficava a 1 milha do hotel, com uma única curva incrivelmente óbvia para ser feita. Fomos cedo, já com o plano de tomar café por lá. O cedo aparentou ser problema, pois muitas lojas estavam fechadas ou abrindo. Logo entendemos que Chinatown é um trecho de cerca de 800m de uma rua, estendendo-se uma quadra para cada lado. Isso mesmo, amigo leitor paulistano: é menor que a Galvão Bueno em nossa Liberdade.
Em uma dessas laterais achamos uma, literalmente falando, padaria chinesa. Pareceu um bom lugar para o café da manhã pois um veículo de entrega estava sendo carregado ali. Acertamos. Foi meio complicado fazer o pedido, pois nem atendentes nem clientes falavam inglês. O cardápio era em chinês. Nas paredes. Sem preço. Um caos completo. Ainda assim, comemos 2 pães recheados cada um, com chá de não sei o quê, ao custo total de 7 obamas.
Eu buscava armas de kung fu, missão que logo abandonei. Chinatown tem 3 tipos de lojas: mármores e decorações, lojas altamente especializadas em algum tema específico (e nenhuma delas era de artes marciais) e quinquilharias. Este último tipo predomina fortemente, e são todas a mesma coisa. Vendem pratos, talheres, copos, assadeiras, mamadeiras, brinquedos, roupas, canetas, caixas, leques, maquiagem, envelopes, cardeiras, CDs, cinzeiros, facas, ferramentas, tábuas de passar roupa e eventualmente, aparelhos de som. Mais ou menos nessa ordem. 
Eu quase estava decepcionado quando achar uma loja que o Maurício procurava para comprar chá chamada Red BloomsomQue loja, que atendimento e que aula de chá que tivemos ! Mais que dobrei meu skill no assunto em uma hora. Fizemos parte de uma cerimônia do chá com a dona da loja que explicava tudo com incrível calma e precisão. Não tenho nem como escrever aqui todos os detalhes, mas para resumir, saibam que um bom chá permite que você passe vários turnos de água fervendo por ele, e ele deve ficar melhor a cada passagem. 
Andamos um pouco mais e achamos, por acaso, um restaurante listado para ir: Stinking Rose. O caras fazem tudo a base de alho. Tudo. Marcamos o local, voltamos ao hotel para buscar a Sandra e voltamos lá para comer. Pedimos uma entrada de alho no azeite com pães de alho e o prato principal foi frango ao alho. O cardápio dizia que ele vem com 40 dentes de alho, mas acho que tinha bem mais que isso. Ainda sairia de lá com uma camiseta, temperos e uma lembrança para a namorada.
A escolha do local ainda tinha um bônus: ficava exatamente no meio do caminho entre o hotel e o píer 33, local de saída do passeio da tarde. Andamos calmamente até lá para a visita noturna a Alcatraz.
Outro golaço do dia. Havíamos comprado os ingressos em agosto e logo lá vimos várias pessoas darem de cara com a porta: ingressos esgotados até dia 12. Planejamento é vital, gente.
O barco nos levou até lá e fizemos um primeiro tour com áudio guide muito bom, narrado e comentado por guardas e detentos que estiveram por lá. O foco é o bloco de detenção, mas são mostradas outras partes também. Durante esta parte, pegamos o pôr-do-sol, onde pude fotografar o sol abaixo da Golden Gate e raspando o horizonte. Lindíssimo, espero que a foto tenha ficado boa. Depois do tour, há 4 opções de narrativas adicionais e cada um por si escolhemos a mesma: a grande fuga de 1962. Muito bom o passeio, mesmo. Classificação Asimovia: 3 sabres de luz.
Descemos no píer 33 e caminhamos para o 39 com a intenção de jantar. Nada fechou com a gente, não sei porquê, e seguimos até o píer 45. Lá era algo mais simples e ficamos em um restaurante de frutos do mar onde comi uma salada de camarão e um peixe (qual mesmo?) com legumes. Delicioso.
Fizemos uma rota para voltarmos a pé para o hotel e bem no começo da rota damos de cara com o famoso bondinho que cansamos de ver pela cidade e não havíamos usado. Seis obamas por pessoa e fizemos mais um passeio que ainda nos economizou tempo. O sistema do bonde é uma coisa muito engenhosa. O bonde em si não tem motores ou nenhum tipo de propulsão. Um mecanismo de tração abaixo dos trilhos é engatado e traciona o bonde pela linha. Sei lá eu como engata isso, mas é bem divertido.
Descemos no ponto final, a tempo de passar em um Walgreens e comprar suprimentos para a viagem de volta.
E assim acabava uma de minhas melhores viagens.

domingo, 10 de novembro de 2013

USA 2: Dia 19 - Caminhando

Já sabíamos para que lado não andar, então fomos para o outro. O café da manhã foi em um pub irlandês, com cardápio saboroso e atendimento confuso.
Tirei a manhã para andar sozinho por San Francisco. Eu queria não apenas ficar com meus pensamentos, mas dar um pouco de espaço para Sandra e Maurício. Mais tarde, descobri que eles usaram esse tempo para a Sandra comprar sapatos e bolsas.  Embaixo daquela pele politécnica tem uma mulher...
Andei um monte, um monte mesmo. Acho que uns 8km, pra mais. Vi diversas bizarrices sobre as quais havia ouvido ou lido. Sim, existem todas, e mesmo a luz do dia. Para narrar apenas uma, passei por um setor onde, do nada, havia grande concentração de mendigos. Logo os dois primeiros, um casal, estavam ambos fumando maconha. Não que isso valha para todos, ou sequer a maioria, mas se tem uma coisa eu não tolero é o consumo de drogas por quem passa necessidade. Dinheiro para as porcarias, sempre tem, né? Daí ficam pedindo em vez de trabalhar, e posso afirmar que há vagas de emprego em SF, pois eu mesmo vi placas oferecendo. E não teve outra: na quadra seguinte, acho uma dupla de mendigos, dois rapazes, jogando Magic: the Gathering. Comentário mantido: sempre tem dinheiro para as drogas...
Depois de reencontrar os amigos, almoçamos um dog na rua, algo que descobri estar proibido em NY. Valeu mais pela experiência do que pelo lanche. De lá, voltamos ao hotel para esperar pelo Sandro, que deveria sair do trabalho às 15h e nos pegar meia hora depois. Logo depois das 15h, ele avisou que atrasaria 2h, desculpa perfeita para uma (ou duas) cervejas em um bar especializado em cervejas caseiras. Pedimos 6 cervejas diferentes ao logo da estada, com porções de amêndoas com páprica e jogando Star Fluxx, para curiosidade geral dos garçons.
Sandro nos pegou por volta das 17h45 e seguimos pela Golden Gate rumo a North Bay (parte norte da baía) para visitarmos Salsalito, que  não achamos nada de mais, e Tiburon, onde jantamos em um restaurante por ele escolhido. Se o sujeito é especialista em restaurante, já gerenciou vários lugares diferentes e só sobe na carreira, por que debater a sugestão dele, certo ?
Comemos 3 pratos em 4 pessoas, incluindo um salmão e um steak deliciosos. Já combinado antes com o Maurício, ele ajeitou as coisas com o gente para não deixar o Sandro pagar nada, igualando o jogo iniciado 2 dias antes em 2 x 2.
Despedimo-nos na porta do hotel, quando deixei a seguinte saideira para o Sandro:
- Meu, se eu achar que você foi pra São Paulo sem ficar na minha casa onde tem quarto de hóspedes, você tá fudido. 
Não é fino falar assim, mas funciona.

sábado, 9 de novembro de 2013

USA 2: Dia 18 - Por dentro de um lugar complexo

Ah, San Francisco... Que lugar interessante, amigo leitor. Realmente incrível.
No dia 5 (remember, remeber... e aproveite para lembrar do aniversário mensal de namoro) eu não tinha nada em particular programado para esse dia. Saímos fazendo reconhecimento da área. Erramos, por assim dizer, mas aprendemos.
A região central, que na verdade é o norte, é um agregado de coisas incrivelmente distintas e próximas. Você está andando em um setor rico, com lojas caras e gente arrumada. Daí atravessa uma simples rua e está em uma região degradada, com imóveis abandonados, mendigos, maconheiros e maconheiros mendigos por todo lado. Mas 5 quadras depois fica Chinatown para um lado, e o setor gay para o outro. Tudo muito perto, a distância de caminhada, aproximando Jardins, Sé, Liberdade, Cracolândia, Bexiga e a Parada LGBT em menos de 3km de raio. E embora isso tudo seja bem distinto, cada um fica no seu quadrado. Bastante interessante e, garanto, as palavras são insuficientes para descrever tamanha diversidade de vida.
Almoçamos no Cheesecake Factory, onde não tinha nenhuma atendente chamada ou parecida com a Penny. Foi a chance de tomar um vinho californiano e fizemos com classe: tomamos um tinto St. Francis, da vinícola de Francis Ford Copolla. Bom viu ? Excelentes búfalo wings e, óbvio, o bolo de sobremesa fizeram nossa alegria.
Continuamos passeando e conhecendo a região até o cansaço bater.