sexta-feira, 3 de abril de 2020

Quem é você na fila do pão?

Título prometido na mensagem anterior.

Em um momento tão disruptivo do cenário econômico, com perdas generalizadas, é evidente que o dano financeiro não será igualitariamente distribuído no final desse processo, dentro de alguns meses. E, sim, tem gente faturando alto e de modo totalmente honesto neste momento. A matriz de demanda de serviços está severamente modificada e muito se ilude quem acha que ela retomará exatamente os patamares antigos.
Quem ganha?
Evidentemente, tudo relacionado a serviços de saúde ganha. Há vagas para todos os profissionais de saúde em diversas instituições. Fornecedores de materiais médicos descartáveis estão com vendas nas alturas. Produtos de limpeza e álcool gel vendendo como nunca. Sem se fala em máscaras descartáveis então. Se muitos serviços dependem de delivery, evidente que surgiram novas vagas para os motoboys.
Mas, mesmo aqui, há exceções. Uma loja de produtos de limpeza no centro de São Paulo deve estar fechada neste momento, pois dezenas de milhares de pessoas que ali trabalham estão em home office ou férias forçadas, como este que vos escreve. "Deve estar" pois não passo por lá há semanas... Os restaurantes de lá, já adaptados ao delivery, também devem estar sofrendo. 
O oposto se diz dos restaurantes nos bairros. O home-office levou as pessoas para casa, e muitas estão fazendo uso pesado de delivery. As pessoas não estão se alimentando menos, mas em outros lugares. Deve ter aumentado o faturamento de supermercados de bairro. Mas taxistas e motoristas de Uber sofrem severamente pela redução do movimento.
Varia muito...

E você, amigo leitor, trabalha com o que?
Essa é uma pergunta de objetivo de vida neste momento. Fica claro que trabalhar direta ou indiretamente com serviços essenciais é um senhor guarda-chuva econômico contra esse tipo de crise... Na verdade, contra qualquer tipo de crise: as pessoas continuarão a precisar de atendimento médico e segurança independente do PIB crescer ou encolher. O local onde o serviço é prestado também se mostrou, não para minha surpresa, elemento de forte influência na receita de empresas; ergo, na empregabilidade de muita gente.
Cito agora o home-office: quanto menos for possível fazer seu trabalho em home-office, mais crítico ele é para sua empresa, algumas raras exceções pontuais especialmente na área de TI. Sim, pode doer esta verdade, mas é por aí mesmo.

Junte tudo agora, amigo, especialmente você pode perdeu ou está por perder seu emprego. Não estou feliz com a tua situação, estou apenas sugerindo generalizadamente repensarmos o que estamos fazendo. Não há nada de imoral em ser um vendedor de roupas de luxo no shopping, mas será que você não teria mais estabilidade como vendedor de medicamentos? Não vou criticar o florista, mas não seria mais útil para o mundo estar vendendo produtos de limpeza? Nada contra o leiloeiro da galeria de arte, mas até mesmo o entregador da pizzaria está melhor que você agora...
Não mando em ninguém. Sou auditor interno em uma empresa estatal de TI. O core business é importantíssimo: o maior estado da nação para em poucas hora sem a PRODESP. Mas eu mesmo não faço parte do core e estou pensativo sobre isso. 

Foi apenas uma reflexão. E nem saiu como eu tinha imaginado inicialmente...

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Classificando a Atividade

Vamos começar pelo óbvio: leilão em galeria de arte contemporânea é serviço supérfluo, enquanto pronto socorro de hospital é serviço essencial. Podemos partir dessa escala, amigo leitor? Suponho que sim.
Vamos, agora, pegar um setor econômico de "fácil" isolamento e esmiuçar um pouco: automotivo. Já está definido que podemos usar carros durante o isolamento. Na verdade, uma pessoa sozinha dentro do carro está mais protegida de contaminação do que o pedestre. Logo, os postos de combustíveis são serviço essencial: o carro não anda sem gasolina ou etanol. Ato contínuo, o borracheiro se torna essencial. O mesmo com o mecânico e o autoelétrico, certo?
E o funileiro?  Se o proprietário fez um amassado leve no carro, isso pode perfeitamente esperar algumas semanas para ser consertado, mas uma colisão mais forte pode tirar o veículo de circulação. Então, começou o bom e velho depende. E não faz sentido algum autorizar a oficina a consertar apenas os problemas sérios, adiando os leves: a oficina já abriu e o trabalhadores já estão lá. Aí temos aquela oficina de estofamento de veículos: ela abre ou fecha? E o especialista em ar condicionado automotivo? E a oficina som automotivo?
Amigo, se fecharmos a oficina de som automotivo por ser um serviço supérfluo (e é !), temos uma concorrência desleal com aquela oficina que faz autoelétrico e som automotivo: esta última pode funcionar e acaba levando vantagem indevida. 
Complicou, né?

Sim, classificar atividades econômicas, por si só, já é um rolo danado. 

O consultório odontológico é serviço essencial. Logo, o dentista vai trabalhar. Portanto, o(a) recepcionista também vai, ou o consultório para antes do terceiro paciente ser atendido. Daí temos uma cadeia de suprimimentos, sem os quais o consultório também deixa de funcionar. Pode ser que tenha estoque, mas não é assim com todos. Então o fornecedor desses suprimentos precisa trabalhar, mas já em regime de atendimento especial. Interessante...
O amigo leitor deve ter notado que, à medida em que nos afastamos do core business, o grau de urgência do serviço começa a diluir. No hospital, todo mundo trabalha durante a crise. No mercado, todo mundo trabalha durante a crise. No restaurante trabalhando apenas em delivery, já não é necessária a limpeza do salão, que está fechado. O salão de beleza está fechado... até entendermos que uma unha encravada em uma pessoa diabética não é estética, é atendimento de saúde, e pode até ser emergencial! Notam quantos "depende" podem aparecer?

Sim, gente... as interações e necessidade econômicas são extremamente complexas. Rotular e colocar em caixinhas estanques em larga escala é perda de tempo. 
No próximo texto, quem é você na fila do pão? Vamos olhar um pouco mais no trabalhador em vez do negócio em si.