segunda-feira, 18 de abril de 2016

Videogames e Família (4)

Termino hoje esta fase do blog, que muito me divertiu. Vamos ao final de uma era, então.

Naturalmente os cartunhos* custavam uma grana. Ok, devo ser honesto: não tenho a menor noção de quanto eles realmente custavam, sei que eu não tinha nada parecido com a imagem abaixo:



Minha coleção se resumia a 4, e olhe lá. Até era possível trocar com amigos por período limitado, mas eu tinha pouco poder de barganha.
Então, alguém viu nisso uma oportunidade, e surgiram as locadoras de jogos. Era algo completamente novo, ninguém entendia de aluguel além do aluguel de uma casa. 
- Mas como assim, só por dois dias?
- Mas e se quebrar na tua mão, quem paga?
- Quem garante que funciona?
- Se você esquecer de devolver, o que acontece?
Sim, era o meu pai implicando preventivamente com minha diversão. Não sei que alegria ele tinha nisso, o que ele esperava que eu fizesse da minha vida. Mas desta vez eu tinha as respostas, e ele não teve como manter a pressão no ataque por muito tempo. Fizemos a ficha na tal Cineral, e toda manhã de sábado incluía uma passada ali. Minha tia nos levava de carro (dando uma volta 1,5km para um trajeto de 450m a pé), eu e minha irmã, para cada um escolher um jogo.
Aqui era minha vez se ser malandro: eu olhava a locadora inteira e escolhia duas opções em ordem, mas não declarava nada até minha irmã escolher a dela. Se ela escolhesse minha primeira opção, eu declarava a segunda. Não era incomum funcionar: digamos um terço das vezes ela escolhia uma das minha opções. A tática funcionou com perfeição até um dia em que fiquei feliz demais com a escolha dela e ela notou. Nas semanas seguintes ela tentou sabotar minha táctica escolhendo jogos realmente bizarros, mas isso não me atingia: eu tinha boas escolhas guardadas na manga e minha parte da diversão era garantida.
O processo todo finalizava na manhã da segunda-feira, quando eu me comprometia a devolver os cartuchos sozinho na Cineral, a mesma Cineral que "era perigoso ir a pé" no sábado era perfeitamente segura na segunda-feira... Isso nem envolvia dinheiro: optávamos pelo aluguel pré-pago para eu nem precisar paga no retorno.
Passados alguns meses, o interesse da minha irmã foi a zero, e eu podia alugar dois jogos eu mesmo. A delícia era o feriado, quando me deixavam trazer três. O mundo se tornou um lugar feliz por cerca de um ano. Os problemas eram mínimos (um jogo que não funcionava, ou uma vez que estava doente e não podia ir devolver os jogos), nada crítico.
E então, o cruel e selvagem capitalismo agiu, lenta e sorrateiramente.

Aconteceu que o videogame passou a ser realidade no mundo. Empresas sérias começaram a ver oportunidades naquilo e não tardou para novos consoles, melhores e mais modernos surgirem. Alguns amigos migraram. O interesse pelo Atari minguou. A Cineral fez uma grande liquidação dos jogos e eu não soube disso. Um desses sábados, a Cineral estava lá, mas a área de locação tinha sumido. A esta altura, maioria dos amigos estavam de Master System, com alguns de NES ou Phantom. Sei lá, acho que era isso. 
Então eu pedi um console novo, não sei se era aniversário ou Natal, e não foi apenas uma vez não.
- Não, escolha outra coisa.
- Por que?!
- Você já tem um videogame que está funcionando perfeitamente. Para que quer outro?
- Porque ninguém mais joga esse console. Todo mundo tem outros consoles.
- Você não é todo mundo. Se vira com esse se quiser. 
Não teve jeito mesmo. Meu pai ficou irredutível. Acho que era raiva de ter perdido a discussão sobre a locadora. Eventualmente tive algum payback quando ele trocou de carro.
- Por que trocou de carro? O outro estava funcionando perfeitamente.
Ele sentiu o golpe em silêncio, mas arraigou mais a opinião anti-console. Venci a batalha e perdi a guerra com esse movimento.

Meu console seguinte seria um PS2, comprado de um amigo, uns 20 anos depois disso.

* Por algum motivo bizarro, os cartuchos eram chamados de "fitas" por muita gente.

Um comentário:

  1. Adorei sua história, me fez lembrar de duas crianças muito amadas discutindo por causa do tempo que o mesmo levava, e de como gostava quando iam para minha casa jogar..... qté me fez chorar de tanta saudades da vó, minha irmã, meu cunhado(que já não estão presentes na nossa vida) e de vocês dois, meus graandes e eternos amores.

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