quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Cruzado, 27

Completa hoje 27 anos o Plano Cruzado. E como eu não quero falar daquele papa nazista pedófilo safado mentiroso que é o outro tema do dia, preferi tratar de Economia.
Nos anos 80, o Brasil viveu um período de descontrole inflacionário. O período do Milagre Econômico, os anos 70, havia passado sem que um novo modelo de crescimento. Por outro lado, a inflação vinha crescendo ao longo de 10 anos, mas ainda sob controle, recebeu dois choques sérios no mesmo período: as crises do petróleo.
Um dos mais importantes insumos econômicos no período, as duas crises de 73 e 79 contaminaram os preços de todos os artigos de todas as economias do planeta. A média mensal brasileira saltou de 1,1% (73) para 2,4% (74) e de 2,8% (78) para 4,4% (79). Já nos anos 80, a crise de liquidez internacional causada pela moratória mexicana em 82 elevou a inflação mensal de 5,7% (82) para 8,5% (83). Observe-se que os dois interperíodos também não foram o que se pode chamar de exemplar no controle do fenômeno. A inflação também cresceu entre 74 e 78, e entre 80 e 81.
A mudança de governo em 85 trouxe novos ares e novas cobranças. A inflação mensal chegara a 2 dígitos e algo precisava ser feito. Montou-se, então, o tal Plano Cruzado. As medidas principais do mesmo foram:
- congelamento geral de preços e tarifas
- aumento real de 16% no salário-mínimo
- desvalorização da moeda
- desmontagem do sistema de indexação
O congelamento contou com elevado apoio popular e baixo apoio técnico. Como acabou dando errado, e bem errado, mostra-se uma vez mais que o povão adora dar palpite sem entender lhufas de economia.
1986 foi, verdade seja dita, um ano de ouro. A economia cresceu 12%, a inflação foi estancada durante o período do congelamento e surgiu uma coisa nova: um sentimento de participação das pessoas no vida político-econômica. Os fiscais do Sarney se muniram de autoridade moral e cobravam o cumprimento da tabela de preços, às vezes até com alguma violência.
Infelizmente, o plano tinha falhas. E essas falhas foram exploradas ao extremo, fazendo a inflação disparar já em 1987, depois do descongelamento. As principais delas foram desconsiderações relevantes sobre aspectos operacionais particulares de cada mercado. 
Um das falhas foi a venda a prazo. O Plano Cruzado foi criando com base em planos anteriores similares feitos em Israel e na Argentina. Mas em ambos, o processo inflacionário destruíra a venda a prazo, enquanto no Brasil ele ainda era bastante pertinente. Desse modo, eram feitas vendas para recebimento em 30, 60, 90 ou até 180 dias com mecanismos de reajuste variados. Havia compras realizadas com preço já embutindo a inflação futura, por exemplo. Assim, esses preços tinham aumentos já contratados pelos próximos meses. 
A tabela precisava ser rígida, ou a chamada memória inflacionária retornaria. Mas havia falhas inerentes nesse conceito, notadamente a questão da variação dos preços relativos. É natural que os preços dos bens varie entre si ao longo de um ano, mas que no longo prazo se mantenham estáveis. A tabela impedia essa flutuação, gerando distorções graves.
Também não foi analisada a sazonalidade dos mercados. Para citar o exemplo mais sério, as companhias aérea haviam acabado de baixar seus preços visando o período de baixa temporada a começar em março. Foram obrigadas a manter os preços baixos e com isso a situação financeiras delas foi arruinada em poucos anos. Pode-se dizer sem medo de errar que o Plano Cruzado matou VASP, VARIG e Transbrasil, praticamente aniquilando o setor aéreo brasileiro. 
Porém nenhuma dessas falhas, a meu ver, era suficiente para ter matado o plano. Era possível administrar tudo isso com alguma inteligência e paciência. O governo foi intransigente até as eleições em novembro, para afrouxar demais em seguida. A inflação voltou a galope logo em dezembro de 86 (7,3%) e em abril de 87 passava dos 20%. Mais detalhes dos números podem ser vistos aqui. Mesmo a combinação dos fatores descritos acima (ajustes relativos, sazonalidade e compras a prazo que distorceram as tabelas) justificaria tal índice. 
O Plano Cruzado podia dar certo se tivesse adotado, por exemplo, revisões bimestrais da tabela de preços. Haveria enorme barulho por parte de quem não fosse contemplado com os aumentos pedidos, mas era viável. Poderia ser feito um limitador legal de, por exemplo 3% de reajuste, a critério do governo. Isso daria flexibilidade para os preços relativos, evitaria a indexação e salvaria alguns mercados. Depois de um tempo, as revisões passariam a ser trimestrais, quadrimestrais e assim por diante, pois já haveria espaço para preços até baixarem em época de baixa demanda / alta oferta. Os varejistas poderiam ter feito a sua parte, recusando-se a comprar acima das tabelas. Não seria uma medida eterna, todos sabiam disso, mas ajudaria a quebrar o ritmo inercial da inflação. 
Mas nada disso foi feito. E seguiram-se anos tenebrosos até o Plano Real botar a casa em ordem.
Uma pena. Eu acreditei no Cruzado.

Um comentário:

  1. O plano cruzado assim como plano Collor tinham uma visão de crescimento e se fosse um tripé dois pilares dele seriam fortes e com boa base, o terceiro pilar foi o que quebrou esses planos.

    Hj temos uma economia razoavelmente forte pelo sentido de que ela tem a mesma moeda e busca um "crescimento" mesmo que seja minusculo.
    Bons planos, péssimas execuções

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