quinta-feira, 14 de abril de 2016

Videogames e Família (2)

O relato de hoje é mais pessoal, ainda sobre a Era do Atari na minha vida. Mas antes as considerações teóricas de sempre.
Como tudo na vida, o videogame também segue a regra de que quanto mais se pratica, melhor se fica naquilo. Vale para artes, esportes ou mesmo atividades cotidianas como dirigir e cozinhar. Algumas delas nós praticamos tanto quanto podemos: a aula de natação e de inglês tem duração fixa, por exemplo. Outro grupo nos permite praticar menos à medida que ficamos melhores: depois que você "amacia" a sua carteira de motorista, consegue dirigir um pouco mais rápido e com isso dirige por menos tempo. Mas o videogame é um disputa contra a máquina: quanto melhor se fica, mas se sobrevive aos desafios propostos. Então, quanto mais o jogador usa o jogo, mais tempo ele aguenta o jogo.
E daí ?
E daí que quando surge o videogame, éramos todos uns desajeitados igualmente perdedores. Não rigorosamente iguais, diferenças de coordenação mão-olho existem, mas tínhamos experiência zero com jogos eletrônicos. No caso, tanto eu quanto minha irmã Alessandra (que será marcada na postagem).
Minha irmã... 
Mais nova, ela naturalmente tinha uma coordenação mão-olho pior que a minha. Três anos e meio de diferença pesam muito quando a comparação é 9,5 x 6. Então ao jogarmos PacMac, o jogo que veio na caixa, alternávamos as vidas no jogo. Mas eu era marginalmente melhor que ela no início.
Esse "marginalmente" me permitiu jogar um pouco mais por sobreviver mais aos fantasminhas logo nas primeiras partidas. Isso equivale a treinar mais, o que me deixava melhor. Em pouco tempo (afinal jogar aquilo era uma febre e jogávamos diariamente) a diferença marginal se tornou um abismo, pois jogar videogame é 98% treino, 1% talento e 1% sorte (ok, talvez na época do Atari a parcela de sorte fosse um pouco maior).
Veja, amigo leitor, isso não faz de mim mais homem, mais forte, mais inteligente, mais sãopaulino, mais coisa alguma. Eu apenas era melhor no videogame e isso me permitia jogar por mais tempo. E, sim, isso é injusto com ela: o aparelho era de acesso comum, os dois tinham o mesmo direito de usar. Mesmo com 9 anos de idade, eu não tinha dúvidas sobre isso. O problema é que jogar a partida demorava muito, mas muito mesmo, mais para mim do que para ela.

Aí começam os problemas. O tempo de uma partida é imprevisível. Em tese, se eu sobrevivo 15 minutos em uma jogada e ela apenas 3, seria fácil de alternar 1 jogo meu com 5 dela: em meia hora, dividimos ao meio o tempo de jogo. Não é como alternar o canal para escolher o programa da televisão. O ajuste era feito na marra, ou no caso específico, na birra da parte dela.


Aqui preciso fazer um elogio: mesmo com 6 anos de idade, minha irmã tinha um enorme domínio da comunicação e sabia manipular os pais como poucos. Ela me superava nisso por milhas. Sabendo que era a filha preferida (a família inteira sempre soube disso), ela jogava magistralmente com a situação. Enquanto estava eu na 18a tela consecutiva de PacMac (sim, eu era bom naquela merda) ela começava a chorar até algum adulto aparecer. E então disparava com maestria:
- Ele não me deixa jogar!
Brilhante, amigo leitor. Brilhante. Quem eventualmente estivesse vendo o jogo, eu mesmo incluso, sabia que isso significava que eu não tinha morrido ainda e por ser muito bom no jogo, não deixava a vez dela chegar. Mas quem estava de fora como meus pais, e incluindo aí o infinito viés pró-caçula, isso soava como se eu a tivesse impedido fisicamente de jogar, do tipo tirar o controle da mão dela ou não deixar programar a partida para 2 jogadores alternados. 
Como eu disse, brilhante minha irmã.
Daí, claro, vinha algo que soava como uma sentença de morte:
- Deixe sua irmã jogar.
- Mas ainda é minha vez!
- Não interessa, deixa ela jogar.
E lá e vai a chance de quebrar meu recorde pessoal, pois o Atari não tinha savegame. Aliás, esse conceito só surgiria gerações de consoles depois.
E assim minha maior diversão era também a maior fonte de discórdia na minha vida por um bom par de anos.
Amanhã tem mais.
(savepoint)

Um comentário:

  1. Bom, tenho vaaaarios comentários. Sua história seria linda, se não estivesse distorcendo fatos. 1) Eu era preferida do Pai, concordo; vc da Mãe, da Tia e da Avó! Sua maioria te dava muita vantagem. 2) Qdo eu conseguia jogar os meus míseros segundos vc ficava me atrapalhando para que eu morresse mais rápido ainda (se é que era possível). 3) Não acho que eu manipulava a situação, pra ser sincera entendi minhas chances disso muito depois.
    Mas adorei a confirmação de que vc é mais velho! Agora posso provar com suas próprias palavras. Hahahaha!

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