sexta-feira, 9 de novembro de 2012

BUM

A pedido do meu amigo David (um teimoso jogador de Carcasonne e ainda mais teimoso crítico da Pena de Morte), venho discorrer alguns vocábulos sobre o Bilhete Único Mensal, o BUM.
Antes de mais nada, vamos na lógica básica de qualquer mudança em planos de pagamento de serviços. Em qualquer situação, a simples adição de um novo formato é sempre, e necessariamente, positiva. Por pior, mais caro, mais complexo, mais estranho, mais limitante que possa ser ou parecer, a nova opção sempre pode agradar algum usuário específico do serviço. Isso vale para tv a cabo, celular, internet e, claro, tarifas de ônibus. Fica a observação quanto aos novos planos (de novo, para qualquer tipo de serviço) que visam apenas ser uma transição forçada para valores maiores. Com o tempo, os planos antigos e melhores vão sendo desativados e tudo não passa de um esquema para aumentar preços acima da regulamentação. Isso é bastante comum em planos de TV a cabo, mas não creio que seja o caso do BUM.
Isto posto, vamos analisar para quem vai a conta. Digo isso porque não existe almoço grátis: alguém vai arcar com isso e quero saber quem vai ser.
Vamos analisar o uso atual do BU frente a dois cenários: trabalhadores com carteira assinada e sem carteira assinada. A diferença está na existência do vale-transporte (VT) que limita a despesa com transporte a 6% do salário do trabalhador. Naturalmente, só tem VT quem tem carteira assinada. Vamos então comparar com a seguintes premissas: passagem de ônibus a R$ 3, 20 dias úteis por mês, salário de R$ 1000 (fique a vontade para simular com outros valores, amigo leitor).
  • cenário 1
- trabalhador sem carteira: gasta R$ 3 x 40 = R$ 120 / mês
- trabalhador com carteira: gasta R$ 1000 x 0,06 = R$ 60/mês
Portanto, o empregador do trabalhador com carteira vai cobrir essa diferença. Ele paga R$ 120 - R$ 60 = R$ 60.
Ok, até aqui ?
  • cenário 2
Adotemos um BUM que custe R$ 100 / mês (novamente, fique a vontade para simular com outros valores). Vamos medir o impacto.
- trabalhador sem carteira: gasta R$ 100 / mês (economiza R$ 20)
- trabalhador com carteira: gasta R$ 1000 x 0,06 = R$ 60/mês
Portanto, o empregador do trabalhador com carteira vai cobrir essa diferença. Ele paga R$ 100 - R$ 60 = R$ 40. (economiza R$ 20)
Interessante, não ? Quem economizou R$ 20 no segundo caso foi o empregador, não o empregado.
  • cenário 3
Mas isso não contempla tudo. O cidadão sempre pode querer usar ônibus no final de semana. Então vamos supor mais 4 passagens avulsas, não relacionadas ao trabalho. Vamos ver como fica:
- trabalhador sem carteira: gasta R$ 3 x (40+4) = R$ 132/mês
- trabalhador com carteira: gasta R$ 1000 x 0,06 = R$ 60/mês + R$ 3 x 4 = R$ 72/mês
Portanto, o empregador do trabalhador com carteira vai cobrir essa diferença. Ele paga R$ 120 - R$ 60 = R$ 60, e não se envolve com a despesa de final de semana.
  • cenário 4
Agora vamos adotar o BUM a R$ 100 para o cenário 3:
- trabalhador sem carteira: gasta R$ 100 / mês (economiza R$ 32)
- trabalhador com carteira: gasta R$ 1000 x 0,06 = R$ 60/mês (economiza R$ 12)
Portanto, o empregador do trabalhador com carteira vai cobrir essa diferença. Ele paga R$ 100 - R$ 60 = R$ 40. (economiza R$ 20)
Mudou um pouco. Neste perfil de usuário de final de semana, todo mundo economizou um pouco. Observemos que, para o empregador com carteira, não fez diferença. O trabalhador com carteira ganhou um pouco, mas menos que seu próprio patrão. O trabalhador com carteira aumentou um tanto seus ganhos.

Essa análise, no entanto, usa o conceito de ceteris paribus, ou seja, mudemos uma variável deixando todas as demais constantes. É evidente que o usuário do BUM aumentará seu uso dos transportes coletivos. Isso gerará despesas, pois será necessário remunerar as empresas particulares. Também deverá acontecer um aumento nas viagens, especialmente nos finais de semana, na medida em que o usuário não precisa mais ficar contando passagens.
Por outro lado, potencialmente falando, há algumas economias. A mais óbvia está na quantidade de recargas: tem muito usuário que fica carregando o BU em 10 em 10 reais e pega umas 5-8 filas por mês. Isso vira uma vez só, para ativar o BUM. A segunda está no sistema que precisa medir apenas uma variável: data de validade do BUM. Isso pode tornar o sistema mais rápido e, em tese, mais barato.
Acho que as economias são menores que as despesas. E fica claro que, como a cidade de São Paulo tem um grau elevado de formalização do trabalho, quem mais mais tem a ganhar com isso são os empregadores.
Absolutamente não me espanta em nada.


3 comentários:

  1. Hahahahha
    Foi bom ate o penúltimo parágrafo. Vc tinha terminado o texto ali na verdade, mas ai vc parou pra ler, viu que tava muito positivo e achou que faltava falar mal.

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  2. Tipo assim...
    O último parágrafo apenas resume os números apresentado acima. Já estava claro nos cenários 2 e 4 que quem ganha com isso são os empresários. Eu apenas compactei tudo.
    Mas fique tranquilo que aqui, neste espaço, as pessoas tem direito a todas as opiniões. Seu comentário, portanto, não será apagado ou editado (pelo menos não por mim !).

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  3. Norson, a análise está incompleta. Como me disseram esses dias, o maior benefício potencial não é para quem usa ônibus, é para quem usa metrô. Hoje, com a passagem de metrô e ônibus em preços praticamente iguais, a maior parte das pessoas pega metrô porque é mais rápido. Com o BUM, andar de ônibus vai ficar mais barato, como você apontou, ficará mais barato, o que pode fazer com que muita gente que hoje anda de metrô comece a andar só de ônibus para economizar.
    Talvez com isso dê para desfazer parte do estrago causado pelo "belo plano" de proibir fretado em SP, forçando um monte de gente que antes descia na porta do trampo a pegar metrô.

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