quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Je suis Charlie

Impossível passar batido pelo tema que chocou o mundo ontem, então falemos do atentando covarde, calhorda, cretino, imbecil e estúpido cometido contra a redação da revista Charlie Hebdo em Paris.
Por ser este um blog opinativo e não informativo, procuro dar 24 horas entre os fatos e meus posicionamentos com o objetivo de (1) obter mais informações e detalhes sobre o ocorrido e (2) tentar produzir um texto menos emocional e mais provocativo. O primeiro parágrafo já deixa claro que falhei no objetivo (2). Então que se dane, e comecemos pelo começo:




Ok. Vamos então tentar entender do que diabos se trata este assunto, passo a passo.
Maomé foi um auto-intitulado profeta que viveu na região hoje parte da Arábia Saudita entre os séculos 6 e 7. Morreu em 632, mais de 1.200 anos antes da invenção da fotografia (já explico essa menção). Levo suas profecias tão a sério quanto a lenda do Papai Noel, e nisso não o trato de modo diferenciado em relação a nenhum outro auto-intitulado profeta. Mas vá lá: tem besta que acredita em qualquer coisa mesmo...
Naquele período, pela falta da tal fotografia, não há registros visuais confiáveis sobre como Maomé era. Então surgem, obviamente, representações artísticas. Portanto, qualquer representação dele é exatamente isso: uma representação, e não uma imagem confiável. Em termos práticos, se você desenhar um sujeito barbudo de turbante, ele só será Maomé se você disser isso na legenda. De fato, isso vale para qualquer ilustração feita por milênios. Não há precisão alguma.
Já que não há precisão, falemos da permissão. Aqui começa a bagunça. Primeiramente, o verbete cita que o Alcorão não proíbe as representações, isso acontece em um grau inferior de regras, os hadith. Ocorre que os hadith, como o próprio Alcorão, são regras a serem seguidas pelos muçulmanos. Como exemplo óbvio, eu não tenho nada, absolutamente nada a ver com isso. Mais que isso, o verbete esclarece que nem todos os muçulmanos são tão radicais assim com essa norma. Então, quando ouvimos os tais especialistas em mundo árabe (e "mundo árabe" não é mesma coisa que "mundo muçulmano") dizerem que qualquer representação de Maomé é ofensiva, uma pesquisa tosca mostra que não é bem assim, por algumas milhas.
O próximo ponto do meu raciocínio é a representação artística de uma figura histórica. Já vimos diversos trabalhos serem conflitantes sobre como eram algumas figuras históricas. O tal revisionismo, movimento relativamente recente (pelo menos no meu radar) tem mostrado algumas coisas bem diferentes de como essas pessoas eram. Exemplo bastante barulhento e controverso foi o filme Alexandre, o Grande. Mas basta colocar uma figura religiosa na parada e pronto: começa uma polêmica. Ninguém pode desenhar Maomé ou falar que Jesus era casado que uma turba enfurecida.
Neste ponto, eu já fico estarrecido, em especial com os muçulmanos, que tem uma posição tão radical contra a idolatria, ao contrário dos cristão que a praticam com força considerável. Se a representação (ou revisão, filme, texto, whatever ...) não é fiel ou está errada, por que tamanha ofensa ? Lembro-me quando Mark Zuckerberg foi assistir "A Rede Social" e, ao sair do cinema, disse que era um filme "divertido". Não processou ninguém, não deu piti, não se estressou (pelo menos em público): ignorou com elegância. 
Os religiosos (aqueles do "ofereça a outra face", sabe ?) são incapazes disso. Precisam brigar, protestar, ofender, xingar, agredir, destruir e matar. Nos anos mais recentes, os cristãos não têm matado tanto, mas o passado os condena nisso, e muito (Inquisição, alguém?). Daí as teses se reforçam em torno de classificar a religião como uma fonte autônoma de violência. Segue um ótimo texto do Carlos Orsi sobre isso.

Ó! Que descoberta! (Carlos, caso esteja lendo, não é uma ofensa, ok ?)

Ainda não entrei no caso específico das charges, que são um passo seguinte. A charge, mais do que retratar uma personalidade, faz piada dela ou com ela. De fato, seria ridículo da minha parte dizer que um desenho e uma charge são a mesma coisa, ou mesma categoria de ofensa. Entendo perfeitamente que algum muçulmano possa não ver nada de mais em um quadro e ficar ofendido com uma charge.
Porém....
O problema é a tolerância, como sempre. Religiosos têm a mesma capacidade de serem tolerantes que a gasolina para apagar incêndios. Quando são minoria em alguma região, pedem para serem aceitos e tolerados até se tornarem maioria, quando rapidamente passam de oprimidos para opressores. Não encontro exceção em milhares de anos de história.
Pergunto, amigo leitor, por que se pode, então, fazer charges sobre política, futebol, arte e cultura pop, mas a religião tem (ou pretende ter) foro privilegiado?
Por que eu posso fazer uma piada com o PT, PSDB, Corinthians, São Paulo, Cruzeiro, Big Brother Brasil, novela, black blocs e o diabo que for, mas não posso fazer uma com Maomé, Jesus ou o Papa ?

Por que eles merecem mais respeito?

Simplesmente não merecem, ponto. São todas ideias humanas, criadas, desenvolvidas e difundidas por nós, e como tão estão na mesma hierarquia. Não, não tentem comparar com piadas racistas ou machistas, pois as pessoas não escolhem nascer mulheres ou afro-descendentes. Mas escolhem, sim, serem petistas, tucanos, corinthianos, sãopaulinos, acompanhar a novela e o Big Brother ou protestarem por míseros 20 centavos. Ou acreditarem em Jesus, Maomé, Kardec, Buda, Inri Cristo, Rael ou até misturar um pouco as coisas. 
Religiões são escolhas, e escolhas são ideias. E como sempre disse aqui, ideias não merecem respeito, pessoas merecem respeito. Ideias existem para brigar entre si, no plano das ideias. 
Deste modo, este blog se posiciona de modo absolutamente radical pela liberdade de expressão total, completa e absoluta, sem proteções ou santuários para críticas a ideias de toda sorte. Culpar os cartunistas ou mesmo pensamentos do tipo "eles pediram por isso" tem exatamente a mesma lógica de culpar a mulher pelo estupro.

Que o mundo dos cartoons abra uma guerra contra os radicais religiosos. E que pegue pesado nisso.

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