A noite do dia 1o de janeiro foi dividida em duas frentes. Enquanto Luciana pesquisava lojas de material de arte, eu brigava para fazer o notebook se comportar. Eventualmente, venci, mas o que me preocupa até agora, dias depois, é o fato de não ter certeza de como isso aconteceu.
Luciana levantou 4 lojas, 2 das quais haviam sido indicadas pelo simpático tiozinho da véspera. Como eu já tinha internet novamente quando ela voltou ao quarto, pude desenhar uma rota a pé pelo Googlemaps. Nem eram tão distantes assim. A primeira e última lojas eram as mais prováveis.
Ajudamos a abrir as portas da primeira: chegamos exatamente às 9h, o que poderia ser vital para o plano. Infelizmente, não tinha os lápis incas venuzianos que ela queria. Isso me deixou preocupado, por ser uma das favoritas. Ao lado da primeira, a segunda loja também não ajudou: nada dos lápis albinos aberrantes trifásicos.
O maior trecho a pé era entre a segunda e a terceira, o que nos permitiu achar uma loja adicional por acidente. Não deu em nada, porém: não vendiam os tais lápis malaios protoplásmicos ecológicos. Chegamos à terceira loja e claramente a situação estava ruim para eles: perguntamos e nada dos lápis anticorrosivos com bordas amendoadas. Aparentemente a loja mais antiga de material de arte em NY não vai nada bem das pernas. Uma quadra depois e chegamos à última.
Finalmente nossa saga terminava: eles tinham a tal caixa cretacolor ultimo set com 72 lápis (pra que 72 se só existem 16 cores?!). No entanto, em uma virada bastante hollywoodiana visando apenas tirar uns trocados com uma continuação barata, eis que Luciana não encontra os pastéis (de feira? um de carne e um de queijo, por favor...) que complementavam o pacote.
- Ah, tem lá na primeira loja...
- E por que não comprou quando fomos lá?
- Porque eles não adiantam sem os lápis. Só agora vale a pena comprar eles.
Tá... Bora voltar. Em 15 minutos estávamos de volta para... não achar.
- Mas você não disse que tinha ?
- Disse.
- E cadê ?
- Não tem. Acho que me enganei.
- Acha ?
- É...
Que joia... Pelo menos ela garimpou a loja e achou outro, que dava conta do problema, mas não sem um susto.
Eram 10h30. Dava tempo de ver outras coisas, no caso, outra coisa.
Voltamos de trem para NJ e visitamos o Home Depot, que ficava do outro lado da rua do hotel. Isso mesmo: levamos 10 dias para entrar em uma loja do outro lado da rua. Nem era exatamente para fazer compras, embora precisássemos de 2 cadeados. Acho bastante interesse ir nesse tipo de lugar, menos para comprar e mais para ver o que tem a venda. A quantidade de opções de lâmpadas, por exemplo, impressionou a Luciana. E os americanos, injustamente vistos como gordos preguiçosos, compram madeira em chapa aos montes por lá, ao contrário daqui onde esse hábito desapareceu. Por lá, existe e vive bem a cultura do faça-você-mesmo. Aqui, o famoso Peg & Faça morreu.
Fechamos a conta do hotel, agradecemos o incrível atendimento que tivemos por lá e pedimos um taxi. Veio um carro que, creio, era dirigido pelo Dr. Who: por fora parecia uma Meriva. Por dentro, couberam nossas 4 malas deitadas e ainda havia 7 lugares sentados. Chegamos sem percalços ao aeroporto, para então eu notar uma mancada: as passagens tinham conexão em Washington, o que eu sabia, em aeroportos diferentes, o que eu não sabia. Isso significava pegar as bagagens no aeroporto Reagan, arrumar um transporte até Dulles e despachar novamente. A vantagem era minimizar o risco de perda de bagagem na conexão, já que eu mesmo estou cuidando disso, e alguma coisa para fazer nas 4 horas entre o pouso e a nova decolagem.
4 horas, eu disse ?
Que tal 3h50? 3h30? 3h15 ? Pois é, amigo leitor: o voo que partia do apático aeroporto de Newark (não tinha nada para comer ali, e ficamos sem almoço!) começou a atrasar, progressivamente aumentando o grau de stress. Embora houvesse ainda um congestionamento em pista antes da decolagem, chegamos a Washington ainda dentro dos limites de segurança.
Houve demora até para definirem uma esteira de bagagem para nosso voo, o que nos colocou em contato incidental com um casal de brasileiros que estava no mesmo cenário que nós. Ficamos amigos de infância, e logo trocávamos piadas. Típico.
O contato serviu para racharmos uma van até Dulles, o que nos levou com mais conforto e menor custo do que um taxi. Com alguma correria em Dulles, a bagagem foi (re)despachada e seguimos para o portão de embarque que era, simplesmente, o último do aeroporto.
É sério: C2 é o último portão de embarque. Precisa pegar um monotrilho que para no terminais A e C, nessa ordem. Depois anda-se um tanto até os corredores. Os portões de número baixo são o corredor longo, em ordem decrescente. E juro para você amigo leitor que a contagem final fica: 5 - 4 - 3 - 1 - 2: o 2 é o último.
Chegamos nele às 21h05, com início de embarque marcado para 21h20. Dava tempo para almoçar (sim, almoçar: lembra que não tinha nada para comer em Newark?). A lanchonete em questão foi uma delícia, um Subway melhorado, com ótimo atendimento. Descobri na fila que o voo atrasaria 20 minutos, o que permitiu comer com calma.
Embarcamos numa boa, para um último problema durante o voo. Ainda de barriga meio cheia do almoço, veio o jantar no voo: frango ou pasta. Luciana não come frango (vai entender...) e optei por acompanhá-la na massa.
Eu como muito devagar em voo, para evitar acidentes. Ainda estava no começo da salada quando ela abriu o macarrão e perguntei:
- O que é ?
- Bolonhesa.
"Nada mal", pensei. Mas quando fui comer, ao cortar o primeiro ravioli, tinha algo verde contaminando minha comida.
- Luciana, o que é isso, verde, dentro do ravioli ?
- Espinafre.
- O que !?
- Ah, é espinafre.
- Mas você disse que era bolonhesa.
- Não é, é espinafre com ricota.
- O QUÊ ?
Olhei para trás em pânico esperando achar um comissário ainda com o carrinho, mas era tarde demais.
- Luciana, você não sabe que eu não como isso? Não suporto espinafre e odeio ricota. Isso é nojento!
- Ah, você quer que eu saiba tudo que você come ou deixa de comer ?
- Não. Eu só queria saber o que diabos era o prato que estava na tua frente. Eu podia saber sozinho se comia ou não. Talvez pudesse ter trocado, né ?
Enfim: passei fome, que é melhor do que a náusea que o espinafre me causaria. Ainda pude capturar o pão que ela não tinha comido e sobrevivi até o café da manhã.
O importante foi chegarmos inteiros, sem pararmos na alfândega. E não deixamos os perrengues de última hora afetar nossos humores.
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