quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Revanche

Na época em que frequentei o Camping Quedas D´água, dos 14 aos 18 anos, havia uma interessante separação de espaço entre os jovens e adultos. A turma dos adultos era composta por homens entre, principalmente, 25 e 55 anos, enquanto os jovens estavam na faixa (inicialmente) dos 8 aos 14. Os adultos eram uns 80 a 100 caras, mas cerca de 35 a 40 eram frequentadores assíduos. Os garotos eram aproximadamente a mesma quantidade, sendo eu o mais velho de todos, anualmente empurrando a idade máxima em meados de maio. Mas o que realmente nos separava era o interesse esportivo. Embora fôssemos todos amantes do esporte bretão, os adultos jogavam no campo enquanto os garotos ficavam na quadra. Já era um sinal dos tempos, muitos de nós criados em apartamentos (não meu caso), e todos longe das várzeas onde o futebol floresceu no Brasil. Sem disputa de espaço físico, a convivência era absolutamente harmônica. Até um dia...
Em um feriado que caiu em sexta-feira, o camping encheu de gente, e tudo correu como sempre no feriado. À noite todos, jovens e adultos, estavam misturados na cantina, o ponto de encontro geral. Em algum momento, um dos adultos meio de brincadeira meio sério, falou que futebol de salão (hoje futsal) não é futebol. Embora divertida, a discussão escalou rapidamente, com argumentos válidos de ambos os lados. Esse tipo de debate só tem uma maneira de ser resolvida: dentro das quatro linhas. No caso, oito linhas, pois combinamos duas partidas, uma em cada terreno. Seriam 30 x 30 minutos cada jogo, campo no sábado e quadra no domingo.
Sábado à tarde, alinhamos 11 no campo de terra batida. Do outro lado, os adultos escalaram o que tinham de melhor. Nossa salvação era o Patão, rapaz um pouco mais velho que a turma, e que se ofereceu para ficar no gol. 
Os adultos não aliviaram nem um pouco com os garotos, o que valorizou muito o confronto. Chegaram duro, usaram sua óbvia vantagem corporal, trocavam passes longos enquanto nós corríamos atrás da bola. Eles eram muito mais organizados, conscientes e fortes, enquanto nós eramos mais rápidos, resistentes e talentosos. 
O fato é que eles jogaram muito melhor do que nós. Patão foi o nome do jogo, salvando todas menos uma das bolas. O gol saiu no final do jogo, em rebote de escanteio. Cada escanteio era um desespero, pois ninguém tinha altura para marcá-los corretamente. Apenas o Davilson sabia o que estava fazendo ali. Eu, que tinha a melhor impulsão, era um cabeceador patético, na medida em que mal se usa cabeceio no salão (tá bom, futsal !). Patão saía doido do gol para cortar com socos e deu certo quase sempre, mas uma das vezes o rebote foi aproveitado de fora da área. Perdemos honestamente por 1x0.

A noite de sábado foi diferente das usuais. Em vez de falarmos das meninas, da escola ou de coisas usuais, estávamos pensando apenas na revanche do dia seguinte. Todos os garotos sentiram a derrota. Mesmo os mais jovens, que não jogariam no domingo estavam tristes e queriam, de algum modo, ajudar. Unidos no orgulho ferido, montamos um time: Cássio, Davilson, Norson (eu era conhecido como Primo), Segundo e Júlio César (esse sim meu primo) no gol. Decidimos usar o que havia de mais moderno no salão (foda-se o futsal), a formação diamante. Exigiria muita movimentação minha, do Davilson e do Segundo, mas os três achávamos que daríamos conta. Cássio ficaria mais parado, mas seus passes certos eram uma importante arma.
Domingo pela manhã fomos para a quadra. Lá pelas 9 apareceram os adultos, não mais do que 10 deles. Montaram o time na hora. Estavam rindo, achando graça e isso me enfureceu.
Logo na saída de bola, achei que era preciso dar um recado. Passei pro Cássio e gritei "espeta". Ele chutou de antes do círculo central e a bola passou raspando a trave. A graça evaporou dos rostos deles. "Pode isso ?" pensavam.
Quando deram bateram o tiro de meta, notamos que eles não tinham a menor ideia do que fazer com a bola. Corri para marcar a saída de bola, e Davilson entendeu tudo sem que eu falasse nada. Roubamos a bola e Segundo abriu o placar no segundo (trocadilho não intencional) lance do jogo. 
Aos 5 minutos, o jogo estava 3x0, o segundo gol foi meu e o terceiro do Davilson. Aos 15 minutos estava 5x0: eu fiz o quarto gol e Cássio acertou uma das tijoladas dele para fazer o quinto. Depois de um relaxamento natural, eles conseguiram entrar um pouco no jogo e, numa falha do Júlio fizeram um: 5x1.
Isso reacendeu nosso ímpeto e voltamos à carga. Correria, passes rápidos, chutes sem medo de errar, como no início do jogo. Segundo fez o sexto gol e eu fiz o sétimo por volta dos 25 minutos. Implacável, foi um chute forte cruzado no ângulo. Como foi em corrida, eu aproveitei o pique para pegar a bola no fundo do gol e trazer para o meio da quadra. Gritei: "Vem aí gente. Queremos jogo. Mostra aí o futebol". 
O jogo não recomeçou. Eles simplesmente foram embora resmungando algo como "não dá pra jogar, isso não é futebol". 
Da minha parte, apenas digo que nem todo 7x1 me traz lembranças tristes. 

Um comentário:

  1. É isso ai Primo......!!!!!!!
    Boas lembranças.
    Esse 7x1 foi, e será muito bom sempre.
    kkkkkkkk

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