segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Indonésia, meu Amor

Amigo leitor que se opõe à pena de morte, peço um minuto de paciência: o título do post é mais sensacionalista do que o conteúdo. Tudo pela audiência...
Alguém aí deixou de acompanhar a execução do brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira? Não, né? Pois esse é um dos pilares do meu argumento, mas já retomo esse ponto mais à frete.
De todo modo, Marco Archer foi fuzilado na madrugada de domingo na Indonésia. 


Vamos dividir essa conversa em três partes, e vamos tentar evitar que uma influecie a outra, na medida do possível.
  • Pena de Morte
Se a Pena de Morte é uma pena (penalidade, castigo), então é aplicada porque alguém cometeu um crime. Mas uma vez já cometido o crime, de que adianta punir o criminoso?
Pensando em um exemplo bem simples, se um motorista bater no seu carro, você quer ele presou ou prefere que ele pague pelo conserto? Eu prefiro que ele pague, especialmente se for realmente algo casual, fortuito: o motorista apenas se distraiu, não estava alcoolizado, em alta velocidade ou na contramão.
Escalando um pouco, seria similar a um caso de furto ou roubo? Já complica um pouco aqui: a pena seria, então, apenas devolver o que foi furtado ou roubado? Fosse assim, a tentativa seria sempre válida. Mas e quando não há como restaurar o que foi feito, como uma agressão ou um homicídio?
Daí surgem as penas. As penas possuem 4 funções distintas, simultâneas e nunca distribuídas na mesma proporção. Sem nenhuma ordem de importância, a pena visa: proteger a sociedade do criminoso, evitando que ele torne a cometer o delito, reeducar o criminoso, fazendo com que ele se torne um cidadão sociável (novamente), e dar um senso de retribution (desculpem o uso da palavra em inglês, mas não conheço uma tradução perfeita para expressar esse conceito. "Vingança", como alguns usam, é algo mais forte e intenso. "Retribuição" definitivamente não serve.). A última é servir de exemplo: ao se condenar um criminoso e tornando público o ato, outros potenciais infratores podem pensar duas ou mais vezes antes de caírem no mesmo erro.
Quando um ladrão é preso e condenado a 2 anos de prisão*, claramente o fator reeducação é o mais significativo. Ficar dois anos em um lugar sem poder sair dele, sem aproveitar as boas coisas da vida e sem contato com as pessoas queridas não é algo divertido. Já quando um estuprador fica 20 anos preso*, o fator retribution torna-se preponderante. Acho que ninguém aí vai dizer que são precisos mais de 2 anos para o sujeito entender que matar é errado. Então vamos manter ele mais tempo preso para... ele aprender 10 vezes mais que o que fez e errado? Ou para nos protegermos de um sujeito que supostamente já entendeu que errou? E quando um assassino costumaz pega prisão perpétua*, já estamos muito mais falando de proteção da sociedade do que os outros: se o sujeito permanecerá preso até o final de seus dias, pouco importa se ele aprendeu ou não com o erro ou se está ou não sofrendo: a sociedade em questão simplesmente desistiu dele não quer mais qualquer tipo de contato. Já pena de proibir um torcedor briguento de ir aos estádios de futebol, embora tenha fatores de reeducação e proteção, claramente é um exemplo para os demais. 
* não estou nem entrando no mérito sobre os variados sistemas prisionais pelo mundo.
Então, podemos notar com facilidade que esses quatro fatores variam, e muito, na composição da pena. Lembremos, amigo leitor, que outras formas de pena existem: multas, castigos corporais, mutilação, perda de direitos. Somos criativos nisso enquanto espécie.

A Pena de Morte é uma opção radical, não há dúvida. Ela tem o fator máximo de proteção existente e mínimo de reeducação. O fator retribution está intimamente ligado com a forma de aplicação da pena, e o século XX mostrou uma redução significativa deste fator na pena de morte, quando observamos menor adesão ao apedrejamento ou impalação em relação à injeção legal ou mesmo o fuzilamento. 
Para resumir em dois pontos antagônicos, a Pena de Morte tem uma grande qualidade e um grande defeito. Pena de Morte é irreversível: um erro na condenação não tem volta, é para sempre, fim, acabou e um inocente teria sido morto. Há casos. Por outro lado, pena de morte tem fator absoluto de proteção da sociedade. Um criminoso que foi executado não volta para cometer novos crimes. Não há casos. 
Mas não se pode negar que, dado o alcance midiático que esse tipo de pena tem alcançado, o fator exemplo não pode ser desconsiderado. E quanto mais barulho os opositores fizerem, mais estarão trabalhando contra sua causa. De se pensa, não?
  • Marco Archer
Acho que é ponto pacífico que o até então instrutor de voo errou feio. Existe uma razão para o tráfico de drogas na Indonésia pagar tanto pelo transporte de cocaína para dentro do país: a punição ao crime é muito severa. Isso desestimula os potenciais candidatos e, com isso, o valor oferecido aumenta. Esse parágrafo, por si só, derruba completamente a tese de que pena de morte não tem efeito preventivo no crime. Tem sim, e muito.
Pois agora cumpro a promessa que fiz no começo do texto e faço uma colocação forte: neste momento, a chance de algum brasileiro inventar de traficar drogas para a Indonésia é virtualmente zero. A combinação de intensidade da pena com o fato dela não ser adotada chamou muito a atenção da mídia. E com isso o fator exemplo ganhou intensidade desproporcional. Desta feita, o governo indonésio atinge pontualmente seu objetivo: coibir o tráfico de drogas em seu território.

foto: Marco Archer


Porém...
Era a primeira condenação do réu, pelo menos até onde consegui pesquisar. E salvo casos de genocídio, sou contrário à pena de morte por crime único. Não é questão de passar a mão na cabeça ou deixar o criminoso solto: tem que pagar pelo crime sim. Mas também acho que merece uma chance de recuperação. Não foi um homicídio com requintes de crueldade (Champinha, alguém?) ou um traficante costumaz procurado. Achou que conseguia e se deu mal, mas não era o fim do mundo o que ele estava fazendo.

Ou era?
Bem, agora entramos na questão das drogas em si. E não faz muito tempo que tomei posição sobre isso. Na minha opinião, o uso de todas as drogas deveria ser liberado total e completamente, sendo o usuário único e completo responsável por seus atos mesmo se estive sob efeito do que quer que seja.
Sim, pessoas vão morrer de overdose e de efeitos prolongados. Carreiras, amizades, recursos, famílias e vidas serão destruídas. Mas é um preço a se pagar pois nossa espécie simplesmente não entendeu que essas substâncias são absolutamente perigosas e condenáveis, e temos um problema crônico (genético?) com proibições. Se com todo aparato de repressão e campanhas de conscientização pessoas continuam a entrar no mundo das drogas, então talvez precisemos de um pouco de pressão evolutiva de modo a que pessoas com menor propensão ao uso das drogas tenham maior chance de deixar descendentes. 
Então, não, não era o fim do mundo o que ele estava fazendo.
  • Indonésia
Isso tudo me traz o título do post, onde elogio o país asiático. Não elogio a Indonésia por ter pena de morte nem por executar um brasileiro ou um traficante. Elogio por duas outras razões:
- trazer à tona o debate sobre Pena de Morte, tão desejada e tão ignorada no Brasil.
- por dar exemplo sobre com não deixar impune os que cometem crimes graves, pelo menos na opinião deles, em seu território. Não aceitaram apelos chorosos e pedidos infinitos de clemência. Nem tinham que aceitar mesmo. Aprendamos com isso.

Por último, apenas cito a indignação da presidente Dilma (a mesma que aplaudiu fuziladores como Raul Castro, ok?), pra mim, totalmente protocolar. É função do(a) presidente agir exatamente assim: protestar, indignar-se, ameaçar com sanções e rompimento de relações e, como tudo na diplomacia, não fazer porra nenhuma depois. 
Até aqui, não tenho nenhuma crítica a ela nesse episódio.

4 comentários:

  1. Apenas uma observação: a pena de morte teria sim um fator bem preventivo.

    Se (sim, há um "se") a cabeça de um criminoso (ou um viciado) funcionasse como a sua ou a minha. Existem centenas de estudos mostrando que ela não funciona, sendo que um dos mais relevantes eu vi, se não me engano, no The Tipping Point (pode ter sido em outro dos livros do Malcolm Gladwell). Se você se lembrar, alguns anos atrás o Fantástico mostrou uma matéria que viralizou sobre jovens em favelas que queriam "virar bandido". Exemplo: um dos entrevistados disse que viu o irmão mais velho dele ser morto pela polícia no dia anterior, e mesmo assim queria ser bandido porque "o irmão dele era vacilão, ele nunca ia ser pego pelos polícias, ia matar tudo".

    Em paralelo, os estudos feitos sobre o efeito da severidade da pena no índice de criminalidade (boa parte deles sobre as Three Strikes Laws) demonstrou que não há nenhuma evidência estatística de que penas mais duras causam diminuição nos crimes, sendo eles graves ou não.

    Logo, ao meu ver, a pena de morte em si funciona muito bem, mas apenas com quem ela não tem que funcionar para começar. Daí eu ser contra ela em qualquer situação.

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    1. Desconsidero TODOS os estudos estatísticos em assuntos sociais, inclusive os que apoiam o que eu penso, pela simples razão de não serem válidos. É impossível dizer o que aconteceria em um lugar se determinada medida tivesse sido diferente: as peculiaridades são muito extensas.
      Sobre a mente do criminoso ser diferente, não discuto isso. Mas está mais do que evidente que a regra funciona muito bem para o criminoso eventual, aquele sujeito que seria abordado 2 dias antes de ir a passeio para a Indonésia. Esse sujeito até poderia considerar aceitar levar o pacote, mas neste momento ele não faz isso. E, por si só, é um ganho bastante importante na minha opinião.

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  2. Eu até entenderia você desconsiderar estudos estatísticos se eu estivesse falando de algum que diz prever algo.

    Mas não estou. Estou falando, como diz um matemático que respeito muito, de números que contam o que já aconteceu. Números e fatos, apenas.

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    1. Você (e os estatísticos) está(ão) comparando bananas com laranjas. Suponha que o país A adotou pena de morte e o país B não adotou. Compara-se criminalidade em ambos os país ao longo de anos.
      Cenário 1: ambos os países tiveram trajetórias semelhantes. Isso não prova nada. Os atacantes da pena de morte dizem que ela foi inútil e os defensores dizem que sem ela A estaria ainda pior. Nenhum lado prova seu ponto.
      Cenário 2: A teve redução da criminalidade em relação a B. Os atacantes da pena de morte dizem que foi por outros fatores e os defensores dirão que ela está funcionando. Nenhum lado prova seu ponto.
      Você pode fazer quantos cenários quiser, e eu consigo sempre argumentar a favor e contra. Isso ocorre porque são muitos fatores sociais envolvidos e não há como isolar cada um deles do cálculo.

      Fato físico incontestável é que bandido morto não comete novos crimes. Qualquer outra afirmação terá componentes de especulação.

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