sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A Bicicleta, o Foodtruck e as Abelhas

Senti-me desafiado há algumas horas a escrever sobre as ciclovias paulistanas. Horas, e não minutos, porque esta é a segunda versão do texto. A primeira saiu desnecessariamente raivosa. O amigo leitor por estranhar um pouco este texto, mas aviso que foi direcionado a um público que não conhece este espaço virtual. A principal diferença é que desta vez, estou evitando fulanizar (vi este termo outro dia e gostei bastante: azar de vocês que terão que suportá-lo agora...).
Começando pela conclusão, digo que a bicicleta não é um meio de transporte viável para uso em massa em São Paulo. Isso não implica que algumas pessoas não possam usar, e usar bem, nem que não seja inteligente essas pessoas agirem assim. Novamente, não estou fulanizando (eu avisei), estou buscando uma visão macro do assunto.

Alguns números usados aqui neste pensamento:
Uma pessoa andando de bicicleta desloca-se de modo 3 a 5 vezes mais eficiente do que a pé. Fiquemos com o 4. Deste modo, uma caminhada a 5km/h equivale a uma pedalada a 20km/h, com o mesmo esforço. Já volto a esse número.
Escolhi as seguintes cidades para um comparativo: São Paulo (por ser tema deste post), Amsterdã, Copenhagen, Bogotá, Curitiba e Montreal. O critério de seleção das outras 5 foi estarem nas primeiras posições de um ranking de melhores cidades para se pedalar no mundo. Não, não é um critério científico.
Um número que seria bastante importante para esta análise seria o deslocamento médio diário por pessoa em cada uma das cidades. Antes mesmo de começar a procurar para São Paulo, decidi parar pois meu holandês e meu dinamarquês estão um pouco enferrujados. Vou usar como critério a área da cidade, isso sim mais fácil de achar. É uma medida indireta de quanto as pessoas se deslocam e, de novo, não tem nada de científico: não considera o formato nem a distribuição das pessoas pela cidade (uma cidade maior pode ter deslocamento médio menor). Dados achados na Wikipedia. Mas é o que temos para hoje, e até que ficou divertido usar 6 cidades de 5 países em 3 continentes.


A primeira coisa a se dizer desses dados é: Amsterdã, Copenhagen, Curitba e Montreal não estão na mesma liga que São Paulo e Bogotá. Vejam a população total e a área das cidades: podem somar as 4 nos 2 quesitos, e continuam menores que São Paulo. Em população, não chega à metade (5,18) e em área dá 2/3 (1050). Admito que o tamanho de Bogotá me surpreendeu, porém. Meu argumento central para remover a 4 cidades da comparação é que os moradores de Amsterdã, Copenhagen, Curitiba e Montreal, pela análise feita, deslocam-se muito menos que os paulistanos e bogotanos (juro que eu acho que é esse o gentílico correto) em suas vidas diárias.
Cheguei a fazer outra aproximação: chutei que as cidades são circulares e calculei o raio aproximado. Isso tira a raiz quadrada das área e diminui as discrepâncias. Chamei essa medida de "raio hipotético". Ainda assim:


Um cidadão que more na periferia da Amsterdã Circular leva 20 minutos pedalando para chegar ao centro da cidade. O paulistano da São Paulo Circular leva mais de 1 hora. O número é bem falso na verdade: eu me desloco 25km para chegar a meu trabalho, por exemplo. Há casos piores, vocês sabem muito bem disso. Fiquemos com o comparativo teórico.
Como se isso não bastasse, fui atrás de dados climáticos. Sou grande admirador do Weatherbase para isso. Olha o que eu achei, para surpresa de ninguém:


São Paulo é, portanto, a cidade mais quente e quase tão chuvosa quanto a líder Curitiba. O ciclista paulistano não apenas pedala mais que o dobro dos demais, mas faz isso sob forte calor e chuva. Pedalar no domingo à tarde para lazer ou preparo físico é uma coisa. Chegar suado e encharcado no trabalho é outra completamente diferente. 
Aqui é preciso pontuar um aspecto cultural: no Brasil as organizações não estão preparadas para o conceito de receber seus funcionários atletas para trabalhar. Conheci um sujeito que ia correndo para o trabalho diariamente. Ele fazia 18km de casa ao trabalho em pouco mais de uma hora, e essa era a atividade física que o mantinha em forma. Mas havia um detalhe crítico nisso: a empresa tinha vestiários para seus funcionários. Ele chegava cerca de 20 minutos antes de seu horário de entrada e, sem percalços estava lindo e pimpão em sua mesa todo dia. Pergunto ao leitor: sua empresa tem vestiários? E sua faculdade? Você conhece alguma que tenha? Percebem, amigos, que isso ainda é incrivelmente raro?
Então, amigo, resumindo, São Paulo é uma cidade grande demais, quente, chuvosa e cujas organizações não oferecem infraestrutura para seus potenciais ciclistas. Nem entrei no mérito de ser uma cidade bastante íngrime, com ladeiras por todo lado, o que não acontece nas litorâneas Copenhagen e Amsterdã. Isso aumenta o esforço e tempo de deslocamento, piorando a comparação.

Evidentemente isso não desqualifica os podem e usam a bicicleta como meio de transporte diário. Tudo que descrevi acima em larga escala tem numerosas exceções pontuais. Há pessoas que moram próximas a seus trabalhos. Quem se desloca menos de 5km leva 15 minutos para chegar, e não chega transpirando em bicas. Outros tem trabalhos braçais, e não precisam estar em trajes sociais para, sei lá, carregar tijolos. Ainda tem aqueles que, mesmo dentro dos padrões gerais estabelecidos, simplesmente não se importam com as condições descritas. Enfim, a bicicleta é útil sim para alguns. 
Alguns. 
Querer fazer disso uma política de governo é, em termos simples, uma estupidez sem tamanho. É como querer fazer uma política de combate à fome com foodtrucks ou usar abelhas como drones para transportar cartões de memória.
Fico por aqui. Espero ter agradado e atendido à demanda proposta.

Ah, sim !
Esqueci de eliminar Bogotá da comparação. É que era tão óbvio que acabei não mencionando: Bogotá não tem metrô.







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