quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Um Cubo (5)

Não era todo dia que alguém chamava H. J. Penske de "filho da puta" dentro da casa dele e saía impune. Ao contrário, o jovem magnata sorrira. E foi o sorriso, e não a falta de decoro de Garrett, que silenciou a mesa.
- Todos os sistemas?
- Todos.
- Por que um quilômetro?
- Vamos testar mais, mas os estudos preliminares apontaram maiores dificuldades de manter a coesão da forma.
- Não era para ser um tetraedro?
- Ninguém ia entender.
- Verdade. Ninguém ia...
Garrett se sentou finalmente. O olhar estava distante, pensando em outra coisa. Ninguém mais parecia entender a conversa dos dois, e foi Dumbar o primeiro a entrar.
- Alguém pode explicar isso?
Penske olhou novamente para Garrett que se viu obrigado a responder
- Dr. Dumbar, doutores... os senhores estão familiarizados com o conceito de entrelaçamento quântico ?
- Eu não.
- Perdão, e doutora. A ideia inicial é transmitir totalmente o estado da matéria em um ponto para outro ponto. Uma vez obtido o entrelaçamento, tudo que acontece em uma das partículas do par será refletido na outra
- Ah, sim. Mas estamos falando de partículas. Ou não estamos?
- Não mais. Já há algum tempo fala-se em quantidade de matéria. Mas o que o sr. Penske está sugerindo é que ele conseguiu em uma escala de toneladas.
- Um milhão de toneladas.
- Tanto faz. E a dezenas de quilômetros de distância.
- Milhares.
- Tanto faz. Mas o que eu realmente não entendi, Penske, é o porque de ser atmosfera.
- Vou tentar resumir, mas creio que os doutores.. e doutora... podem se interessar pelos detalhes técnicos. Então preparei uma brochura para cada um. Leiam no hotel mais tarde. Minha equipe técnica conseguiu um sistema de estabilização de voo simultâneo para um conjunto de 8 sensores. Eles conseguem voar em formação perfeita a um quilômetro de distância.
- ...
- Com isso, eu quero colocar outros 8 em órbita, nas arestas de um cubo fechado. Quero encher esse cubo de ar. 
- Para?
- Para entrelaçar com pontos quentes na Terra, em baixa altitude, de modo a bombear calor.
- Você quer combater o efeito estufa com isso?
- Direta e indiretamente. Por isso eu chamei os senhores aqui. Quero saber quanto tempo leva para o ar se resfriar dentro do cubo. Quero saber a espessura das paredes do cubo para segurar a pressão interior. Quero saber se o gás carbônico vai congelar e se teríamos como remover.
- Ah, você ainda por cima quer filtrar a atmosfera do excesso de carbono.
- Por que não?
- É... por que não?
- Quero saber a energia que estou bombeando. Quero saber a que temperatura posso reverter o processo sem causar um desastre ambiental local. Quero saber como a atmosfera se comportaria se eu removesse um quilômetro cúbico de ar dela. Quero saber se o padrão de ventos pode atrapalhar muito a estabilidade dos sensores.
- Penske, desculpe, sr. Penske... Isso tudo que está sendo comentado aqui... Nada disso jamais foi feito.
- Claro que não.
- Como poderíamos prever isso tudo?!
- Chamei-os aqui porque são os melhores. Sejam os melhores. Se alguma pessoa já tivesse feito esses cálculos todos... bem... era ela quem estaria aqui e não os senhores. Em resumo, quero saber todas as consequências disso.
- Onde vai ficar a base de sensores?
- Pequim.
- Pequim?!
- Sim. Eles tem a maior concentração de poluentes do mundo e ninguém se interessa mais em se livrar do carbono do que eles. Do jeito deles, eles estão preocupados sim.
- Mas... não seria necessário deixar o volume em questão completamente livre de objetos materais? Meu deus... precisamos até cuidar do tráfego aéreo antes de ligar essa coisa.
- Perfeito. Por isso Pequim.
- Mas é uma metrópole!
- Sim. Chinesa. Eles cuidam de tudo.
Aquilo chocou a todos.
- Você quer também uma estimativa em custos?
- Claro. Os chineses querem ver os números antes de assinar o cheque.
- Eles vão bancar tudo?!
- Sim, já disse: eles cuidam de tudo.
E assim se debateria, por meses, como usar uma tecnologia de ficção científica para ligar enorme filtro de gás carbônico. Ninguém estava interessado em debater as consequências éticas para se proceder ao primeiro projeto de geoformação. 
Afinal, eram os chineses que estavam pagando.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Um Cubo (4)

- Um cubo ?
- Exato, um cubo. Um cubo de um quilômetro de lado.
- Não seria melhor ter chamado um matemático?
- Calma, senhora e senhores. Permita-me explicar. Não se trata de um cubo qualquer, é algo que não foi feito ainda.
- Ah.. um engenheiro então!
Penske sorriu. Era melhor esperar alguns segundos para os ânimos se acalmarem. Pegou um caneta marcadora com excessivo cuidado e começou a usar o flipchart. Depois de desenhar um quadrado e começar a transformá-lo em um cubo, falava:
- Pensem em um cubo de um quilômetro de raio. Este cubo contém ar. 
- A que pressão? perguntou Tanaka de pronto.
- Isso os senhores me dirão. Para iniciarmos a modelagem, vamos pensar que esse cubo fica no vácuo.
- Agora quem quer saber a pressão sou eu. São seis quilômetros quadrados de material para conter isso - completou Collins.
- Por isso eu o trouxe aqui, dr. Collins. Começo pelo senhor. Um cubo de um quilômetro de lado precisaria de paredes um tanto espessas para conter ar lá dentro, correto ?
- Sr. Penske, apenas pense em uma nave espacial, e a faça grande. Isso sem mencionar como colocar isso tudo ali. Uma chapa de dez polegadas pesa quase duas toneladas por metro quadrado. Isso dá doze mil toneladas de chapas de aço, em uma conta rápida.
- É preciso que sejam chapas de dez polegas, doutor?
- Não sei, depende da pressão.
- Ok, deixemos assim.
O espanto era geral.
- Não sei se devo perguntar, sr. Penske, mas como o lado de fora de um cubo de um quilômetro de lado pode estar no vácuo?
- Em órbita. Cerca de mil quilômetros de altitude.
- Claro, eu devia ter pensado nisso.
- Senhor Penske... Doze mil toneladas de aço em órbita alta não é exatamente algo corriqueiro.  O senhor Garret pode confirmar o que direi, mas é quatro vezes a massa total do Saturno V, e ele era composto por 91% de combustível.
Garrett concordou com a cabeça, mas não queria falar nada. Queria mesmo saber até onde essa conversa iria.
- Sei disso, dr. Rodriguez. Mas deixemos isso de lado também.
- Claro...
- Imagino que o senhor também não queira discutir como montar esse cubo, ou como instalar uma - Tanaka olhou para os lados antes de concluir - válvula.
- Exatamente, dr. Tanaka. Quero apenas discutir o cubo ali, pronto e cheio de ar.
- Desculpe, sr. Penske, mas realmente está um tanto estranho isso tudo. Um cubo de aço no espaço, cheio de ar. O senhor quer saber se vai chover lá dentro?
- Suponho que neve, na verdade, por causa das temperaturas baixíssimas no espaço. Mas sem a gravidade, o que acontece com a umidade do ar, e poluentes, gás carbônico, pó... tudo. Pensem que colocamos esse ar de uma vez lá dentro.
Quase nenhum dos presentes entendia nada, mas Garrett se levantou e falou baixo inicialmente.
- Seu filho da puta.
- Perdão?
- Penske, seu filho da puta - Garrett abriu um sorriso - você conseguiu.
- Sim, eu consegui.
Garrett juntou as mãos na frente do rosto, mas o misto de surpresa e alegria saia por todos os lados. Ele se sentou novamente, mas conseguiu falar.
- Isso vai dar um trabalho do cão...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Um Cubo (3)

Dumbar virou-se de costas para o grupo, e por isso foi o primeiro a notar quando Penske abriu a porta de sua biblioteca e entro sorridente. Ninguém ali achava que Penske realmente lia os livros que possuía. O jovem magnata tinha fama de estar sempre usando a última versão de qualquer gadget recém-lançado, e não era raro portar um protótipo apenas para ser fotografado em sua mão.
Dumbar considero aquilo um alívio. Finalmente podia saber porque fora obrigado a deixar suas pesquisas em Harvard e viajar para atender aquele moleque mimado. Dumbar estava em um momento delicado de seus experimentos e não queria interromper o andamento de tudo, muito menos deixar o laboratório na mão daqueles "macacos com mestrado". Ele não sabia que estava a menos de uma hora de abandonar completamente o trabalho que fizera nos últimos trinta e dois meses, e que jamais concluiria por causa de um motorista alcoolizado com quem se encontraria tragicamente daqui a 8 anos.
Dumbar entrou primeiro e observou a mesa de reunião que em nada combinava com a Biblioteca. A falta de harmonia, por estranho que fosse, o agradou: Penske montara aquilo às pressas para receber a todos, e era importante apenas que todos se sentassem confortavelmente. Ao fundo da mesa, um típico flipchart branco aguardava sua vez de se tornar relevante.
Dumbar sentou-se e notou todos entrando e pegando suas cadeiras do lado oposto da mesa. Ele sabia que não era o mais simpático dos cientistas vivos, e gostava de ver as pessoas fugirem dele como se fosse um gambá social. "Como se esta mesa pudesse protegê-los", pensou.
Viu um trio composto pelo antipático (ao menos com ele) japonês  Dr. Tanaka, o britânico pedante Dr. Judd, e uma senhora provavelmente européia, que a esta altura já deveria detestá-lo. Atrás vieram três completos estranhos para ele, um dos quais claramente latino, que não conversavam entre si. Penske entrou por último, fechou a porta e os cumprimentou com entusiasmo:
- Bom dia a todos. Creio que alguns de vocês se conhecem, mas me permitam apresentá-los a partir de minha esquerda: Dra. Annette Rousseau, meteorologista, drs. Hanashiro Tanaka e Willian R. Judd, físicos de gases. Do lado direito, dr. James Dumbar, também físico de gases, dr. Matthew W. Collins, resistência de materiais, dr. Michael Rodriguez, químico e professor Michael K. Garrett, propulsores.
Dois aspectos chamaram a atenção de todos. Primeiramente, foi a diversidade de especialidades presente. Nenhum cientista, mesmo um bastante falastrão como Judd, tinha a pretensão de conhecer todos os colegas de sua área. Então não surpreendia chegar a um encontro, mesmo pequeno como este, e dar de cara com estranhos. Mas misturar tantas especialidades juntas era atípico, para dizer o mínimo. 
O segundo aspecto que todos, exceto Garrett, notaram foi a presença de um não cientista na mesa. Afinal de contas, Garret era professor mas não doutor, pelo menos na apresentação feita por Penske. Foi o anfitrião que tratou de quebrar o gelo.
- Imagino que os senhores se perguntem porque eu reuni um grupo tão eclético nesta sala hoje. Mas não é sem razão, afirmo. Preciso dos conhecimentos combinados dos senhores pois imagino que nenhum de vocês, com o devido respeito, consegue me responder sozinho o que eu preciso saber. E garanto que os senhores ficarão encantando em tentar me ajudar.
A pausa feita por Penske não surtiu o efeito desejado, e Dumbar acabou tendo que perguntar.
- Ok, senhor Penske. De que se trata esse assunto.
- De um cubo.
Garret sorriu ao ver a expressão de Dumbar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Um Cubo (2)

Hanashiro Tanaka viveu toda sua vida em Tóquio. Chegou a cogitar sair da metrópole japonesa quando estava por iniciar seu curso superior, mas acabou se acomodando por ali mesmo. E era pela universidade de Tóquio que ele lecionava a pesquisava sobre comportamento de gases em condições extremas. Tanaka não se importava de viajar, mas dormira terrivelmente mal a última noite.
Tanaka notou que Penske não economizava com o conforto de seus convidados. Por ter sido o penúltimo carro a chegar, notou outros cinco muito parecidos saindo logo antes dele, e um sétimo chegando praticamente junto ao dele. Por isso, não se surpreendeu ao chegar no hall de entrada da mansão de Penske e encontrar 5 outros convidados, nem quando o último chegou. 
Conhecia apenas dois deles, por trabalharem na mesma área de pesquisa. Modo de dizer, verdade seja dita, porque a rigor não existem dois pesquisadores procurando a mesma coisa no mundo, tão ampla que a Ciência se tornou. Ainda assim, congressos e seminários acabavam juntando semelhantes e foi assim que ele conheceu James Dumbar, americano que detestara de pronto, e William R. Judd, um britânico típico por quem simpatizara em especial pelo jeito fino e educado. Não era, no entanto, frequentador tão assíduo de eventos científicos, então não estranhou o fato de não conhecer mais ninguém. Aproximou-se de Judd, que conversava com uma mulher bem mais velha:
- Como vai, Will ?
- Oh, Hanashiro! Quanto tempo! Dois anos?
- Algo assim. Creio que tenha sido naquele evento em Roma.
- Lá mesmo. Como puderam fazer aquilo conosco, Hanishiro!? Uma cidade com gastronomia tão encantadora e no entanto... - O olhar de reprovação de Judd era patente.
Ao seu lado, a senhora se empertigou, mas Judd reagiu a tempo de evitar um constragimento:
- Dr. Tanaka, esta é a Dra. Annette Rousseau, de Marselha.
O japonês, que sempre ficava desconfortável nessas situações, estendeu a mão e a cumprimentou. Não sabia como proceder com francesas, então optou pelo mais seguro. Ela aceitou o gesto, medindo-o de cima a baixo. Ele arriscou conversar:
- Também estuda física dos gases, doutora?
- Ah... sim, mas não como vocês, rapazes. Meteorologia.
Tanaka não era capaz de diferenciar uma nuvem de chuva de e uma de fumaça, e ficou subitamente incomodado com isso. Tentou brincar:
- Imagino o que vocês estava discutindo então.
- Derrotar novamente os alemães. Ainda não fizemos isso neste século. - O humor inglês podia ser perfurante.
- Ora... deixe-nos de fora desta vez.
Os três riram. Ao longe, Dumbar reprovava a ideia de jogar conversa fora, mas ninguém ligava para a opinião dele. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Um Cubo (1)

Matthew W Collins detestava viajar. Não era apenas uma questão de aeroportos, cartões de embarque, despacho de bagagens, reserva de hotéis, aluguel de carro, taxis e fusos horários. Era também ficar longe de suas rotinas, sua pia do banheiro, o cheiro do sofá velho e datado e do luminoso verde e vermelho da pizzaria do outro lado da rua. Ele nunca se desapegava das coisas e dos hábitos. Quarenta anos depois, inclusive, ele seria diagnosticado como acumulador compulsivo, distúrbio que ele já começava a apresentar nesse particular ponto de sua vida.
Matthew detestava viajar. De certa forma, o universo fora gentil com ele desta vez. De Chicago para Charleston a diferença era de apenas uma hora para frente. Havia diversas opções de voos com escala, mas seu anfitrião gentilmente escolhera um voo direto. Também havia um motorista a sua espera quando ele chegou, para levá-lo ao Restoration on King, melhor opção da cidade. Era início de abril, o que indicava mínimas chances de tornados e o fato de ser primavera traria pouca mudança de clima. Talvez, pensou Matthew, o anfitrião H. J. Penske soubesse disso tudo e tenha feito o máximo para agradá-lo.
Matthew detestava viajar, mas gostava de teorias, e esta não era uma teoria ruim. Penske conhecia sua ficha, a julgar pelo convite. Mencionava seu mestrado e doutorado em resistência de materiais, além dos trabalhados mais recentes. Não eram segredo: qualquer pessoa com acesso a publicações científicas encontraria tudo isso. Mas Matthew se sentiu reconfortado de parecer interessante aos olhos de Penske. E mesmo que o magnata do setor de transportes tenha ordenado a busca por algum de seus assistentes em vez de fazer a pesquisa pessoalmente, o simples fato de querer se informar agravada a Matthew.
Matthew detestava viajar, mas neste momento pensava sobre o que mais Penske poderia saber sobre ele. Matthew não gostava de esportes, embora achasse relaxante o vai e vem do puck do hóquei sobre o gelo. Não era apreciador de música também, embora também não fosse algo que o incomodasse. Bebia além da conta, fato que sempre o incomodava mas, visto com sinceridade, não tanto assim pois jamais tomara qualquer atitude a respeito. Pelo menos nunca tinha passado por situações embaraçosas devido ao whisky. De fato, era uma situação intrigante, quase um desafio que tomou a atenção de Matthew durante a o trajeto pouco interessante até o hotel, ou mesmo no processo de registro. A verdade era que ele conhecia apenas a figura pública de Penske, nada mais. E não era exatamente um segredo depois de sair como capa da Time.
Matthew detesva viajar e adorava um mistério. Absorto que estava neste, não reparou que o Dr. Hanashiro Tanaka estava no saguão do hotel quando ele chegou. Quanto aos Drs. Annette Rousseau, Michael Rodriguez e Michael K. Garrett, que conversavam em um conjunto de sofás e poltronas de estilo vitoriano, Collins só seria apresentado a eles na manhã seguinte. Por isso, Matthew foi dormir sem imaginar a quantidade de trabalhos científicos em tão variadas área que estava sob o mesmo teto. Por isso, manteve-se adepto da teoria de que Penske procurara tornar seu deslocamento o menos desagradável possível. 
Matthew detestava viajar tanto quanto detestava estar errado. Era uma boa teoria, mas estava completamente errada.