sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Direcione sua Raiva

Anos atrás, eu passei uma fase curiosa na vida. Meu então sócio Marcelo vivia a mesma pindaíba que eu, e aproveitou a oportunidade para se divorciar e ficar sem ter onde morar. Timing é tudo, não? 
Marcelo pegou suas coisas e foi-se para meu apartamento, onde moramos como uma república monarquista por 5 meses. Na época, ele namorava uma moça chamada F. Como vou chamá-la de maluca, desequilibrada e um tanto estúpida daqui a pouco, acho melhor não mencionar o nome completo.
Um dia, eles chegaram em casa e queriam ver uma nova série de tv que acabaram de descobrir. Chamava-se The Big Bang Theory. Ela me entregou um pen-drive para eu copiar os arquivos no meu desktop, de onde se transmitiam os arquivos via cabos RCA para a tv. Naturalmente, eu passei um anti-virus no dito cujo e infelizmente estava contaminado até a semana que vem. Avisei e desconectei o mesmo, sem copiar os arquivos. Ela ficou ofendida, e disse para eu ver a série, pois eu era igual um dos personagens, um tal de Sheldon
Obviamente eu não entendi a referência, pois eu não conhecia a série. Mais tarde, entendi que o sujeito é um esteriótipo bastante forte de um nerd, sendo um completo inepto social, sendo essa a graça maior do personagem. Claramente ela me ofendeu por comparação naquele dia. Ela era incapaz de manter um pen-drive livre de infecções de vírus, mas ela tinha que ofender alguém por isso, e me escolheu, sabendo que eu não tinha como entender a referência na hora. E fez isso dentro da minha casa. De fato, ela era maluca, desequilibrada e um tanto estúpida. 
Tempos depois, apresentou-se uma oportunidade melhor de ver a tal série. Logo no primeiro episódio, entendi a ofensa feita meses atrás. Sheldon é um sujeito muito inteligente, mas não tem nenhum tato social. Ele chateia e ofende as pessoas por não saber como lidar com elas. Sequer percebe isso. Notei, então, que F. havia me chamado de Sheldon apenas por eu ter avisado que havia virus no pen-drive dela. 
Havia enorme potencial para eu me chatear com a série, portanto. Já acontecera antes, mais de uma vez. O meu caminho natural era ligar a ofensa ao personagem e à série, e acabar classificando-a de chata, exagerada, boba. 
Mas eu consegui separar as coisas, e isso me deixou muito feliz comigo mesmo. Culpar a série seria o caminho natural no meu comportamento, pelo menos até então, ainda que isso não fosse algo consciente. Mas eu superei
Já vi 6 temporadas da mesma e é uma das grandes criações da televisão neste século. Não se trata apenas das piadas sociais clássicas, mas há diversas sacadas científicas e acadêmicas envolvidas, que muita gente sequer percebe que estão ali. 
O grande ponto da série, pra mim, foi saber separar a ofensa da série; a obra da ferramenta; o criminoso da arma. Direcionei minha raiva para o alvo certo: a pessoa (F.) que me "xingou" de Sheldon, e não o Sheldon. E isso só me fez aproveitar ainda mais a série, porque além de divertida, ela me relembra de uma vitória pessoal sobre um defeito que eu tinha. 
Amigo A., este post é totalmente dedicado a você.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

De volta

Acharam que iam se livrar de mim, hein ?
Confesso que fiquei largado no sofá esses dias todos. Alternei entre filmes do 007, Breaking Bed e jogar PS3. Nada mal para um feriado.
Sim, feriado, não Natal. Não comemoro Natal. Acho um porre, por incontáveis motivos. Mas como optei por um post personalista hoje, gastarei o vernáculo nisso. Que tal cronológico?
Quando criança (sim, eu fui criança), eram duas grandes festas de família, uma em cada semana. Os parentes de Goiás vinham de baciada para cá e grau de bagunça se elevava. Eu tinha duas primas, uma um pouco mais velha, outra um pouco mais nova e nos dávamos muito bem. Com a mais nova, mantenho algum contato até hoje. As tias não cozinhavam pior do que o pessoal daqui, então o potencial de festa, presentes e comilança era altíssimo. E ainda assim as coisas não funcionavam. 
O primeiro problema era a escolha das casas. Éramos três na mesma quadra, o que mostra excesso para duas festas. Um enorme jogo de puxa-empurra. Depois eram as reuniões intermináveis para decidir fazerem os mesmos pratos de sempre. Nada contra comermos a mesma coisa todo ano, até porque era muito bom mesmo. Sério. Mas se nada seria mudado, para que as reuniões? 
E as brigas? Ah, as brigas... Sempre tinha alguém para apontar o dedo na cara do outro sobre... sobre o que mesmo? Ninguém lembra. Mas sempre ficava um clima.
Decidido fazer tudo igual, sempre tinha um para entender errado. O resultado eram inevitáveis casos de "duas farofas e zero arroz", o algo similar. Alguém devia fazer a ata desses reuniões e obrigar todos a assinar e reconhecer firma.
Daí vinham os presentes. Roupa, sempre roupa. Nunca achei graça em ganhar roupa. Não gosto de roupa. Tenho 8 camisetas brancas idênticas para usar por baixo da camisa social. As cuecas foram um lote de 12, compradas na 25 de março. Na época, ganhar roupa era dois infernos: deixar de ganhar algo realmente divertido ou útil, e ainda ter que perder tempo trocando. Um dia eu narro essa parte em detalhes...
O tempo passou, e outro aspecto foi se instalando na minha pessoal: não gosto de multidões. Mesmo em casamentos ou aniversários, posso até navegar entre as pessoas, mas em pequenos lotes, sempre. O leitor pode estranhar isso em quem já frequentou estádios e autódromos, mas há uma diferença fundamental: em ambos o sujeito é aquele solitário na multidão. Aquele monte de gente é apenas cenário móvel e vivo. Assim como não se depreda um assento, não se pisa no pé do estranho. Fora o comportamento civilizado, o vizinho não existe. E essas festas de fim de ano são aquele aglomerado de gente se apertando e querendo conviver. Como pode isso ?
No meu último Natal, na casa da minha cunhada, não foi diferente. Ótimas pessoas, muita educação da parte de todos, sem exceção. E ainda assim, quando chega a arbitrária meia noite (quem disse que Jesus nasceu à meia noite ?) do horário de verão (não falei que é arbitrário ?!) no nosso fuso horário (enfim...), aquele monte de gente que você acabou de conhecer ou vê duas vezes por ano vem te abraçar:
- Feliz Natal, tudo de bom pra você...
Tudo de bom pra mim? Você me conhece, por acaso? Sabia que eu sou o crápula que buzinou pra você no caminho daqui? Sabia que eu sou sonegador de impostos, jogo lixo no chão ou não reciclo caixas de papelão? Não sou, mas quem é que sabe depois de, talvez, 15 minutos de conversa?
Artificial demais, amigo leitor.
Claro que tem o aspecto religioso. E não me venha com o argumento-clichê de que é uma festa social e de família. É um evento religioso sim. O crescente e desenfreado consumismo dessa época do ano é totalmente coerente com o cristianismo, não finja que não é. A própria Bíblia ensinou isso em Mateus 2-11: " E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra." Ouro: se isso não é consumismo, peço que me expliquem novamente.
Eu passei a pessoalmente boicotar todo e qualquer evento de cunho religioso em 2012. Comecei pela Páscoa e nunca mais apareci em nada. 
Tem dado certo e pretendo continuar nos próximos, digamos, 75 anos.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Pilhas novas

Amigo leitor, venho com grande atraso comentar algumas previsões que deixei aqui neste espaço anteriormente.
Não rolou. Aqui, uma explicação é justa. No início de setembro, de fato começaram a escalar os protestos no Rio, mas houve um momento de ruptura quando os babacas do Black Block se apossaram do movimento. Talvez o presente tivesse sido outro, mas o fato é que o apoio popular previsto pelo professor Silvio não aconteceu.
Só que não. Matt foi bem regular no Chase sim, tendo apenas dois resultados ruins, apenas um deles desastroso, em Phoenix. Mas Jimmy Johnson voltou a ser o monstro do chase de anos atrás e tomou conta do campeonato. Fez a prova final em Homestead apenas controlando a posição na pista, e Matt nunca teve a menor chance na prova final. 
Com isso, o #48 completa seu sexto título, que ele apelidou carinhosamente de "Six Pack". 
  • Galo
Nunca publiquei, mas admito que pensei que o Galo passaria à final do Mundial Interclubes. Assim pensava eu, quase toda a imprensa esportiva e até os torcedores que compraram pacotes apenas para ver a final. 

Aparentemente, minha Bola de Cristal está sem pilhas. Providenciarei novas para 2014.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Primeira vez

Esta semana, conversei com o colega Marcos, corinthiano, no trabalho, sobre o Mundial Interclubes em andamento, e que termina hoje com final pouco esperada. Disse eu:
- Caramba, meu. Com a vitória do Raja Casablanca sobre o Galo, é a primeira vez que o time da casa vai disputar a final do Mundial Interclubes.
- Putz, é mesmo!
- É o que o Mundial acontece em países esquisitos, sem tradição de clubes fortes.
- É...
Fiquei em silêncio por poucos segundos, esperando para o ataque final. E retomei o tema:
- Tá vendo só ?
- O que ?
- Nem você, que é corinthiano, falou do Vasco no suposto campeonato de 2000. Nem você leva aquilo a sério.

Silêncio constrangedor.

O Imbecil do Dia

Amigo leitor, a conversa a seguir eu ouvi hoje pela manhã. Estava no banheiro, portas fechadas, e não vi o autor da pérola. Segue mais ou menos como se passou, pegando o assunto pelo meio.
- Mas e aí, chegou no horário?
- Praticamente, atrasei só um pouco.
- Que susto, hein?
- Verdade. Mas eu tenho um esquema para chegar rápido aqui pelo Rodoanel.
- Sério?
- Sério.
- Como é?
Daí o sujeito descreve alguns detalhes de trajeto até chegar ao Rodoanel que pouco importam para este relato.
- Ah, tá. E vem pela BR, na direção do Taboão. Entendi.
- Exato. Aí é moleza.
- Mas diz aí... e o trânsito? A BR vive parada.
- E para que serve acostamento?
- Hum... para te dar uma multa?
- Nada. Eu venho pelo acostamento com a seta ligada. Se o guarda me ver, é porque eu estou saindo da estrada e pronto. esquema.

É isso mesmo, amigo leitor. O imbecil do dia, que não sei quem é, acha lindo dirigir pelo acostamento. Também deve ser do tipo que acha horrível o Mensalão, o caso Siemens, a Máfia do ISS. E acha que não é parte do problema.
Mas é sim.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Cansei

Não é de hoje que meu interesse por futebol cai mais rápido saldo de conta de professor. Isso se devia a principalmente a dois fatores, ambos intra-campo. 
Por um lado, o esporte, enquanto jogo, tornou-se repetitivo e previsível em cada jogada. Não temos mais as variações táticas, as surpresas. Até as jogadas são sempre as mesmas, como linha de fundo para cruzamento, troca de passes pelo meio até entrar na área ou apenas circular a bola até se abrir espaços para um chute de longe. Quase nenhum time usa dois meias ofensivos: é sempre um meia e três volantes. O único time que tentou isso, e que eu me lembre, foi o São Paulo com Ganso e Jadson, e o esquema se provou fraco.
O segundo motivo era a arbitragem. Não se passa uma rodada de qualquer campeonato sem que algum erro grave altere um resultado. E nada é feito a respeito disso, em nível algum. Isso estraga demais o jogo.
Mas eu ainda resistia, embora menos empolgado.
Agora entra o STJD e brincadeira acabou de vez. Os lances bizarros que compuseram a queda da Portuguesa são tantos que assustam. Comecemos pela expulsão de um atacante reserva no jogo da 36a rodada. Não vi o lance, mas ele conseguiu entrar em campo e ser expulso rapidinho assim? Que seja. 
Daí ele cumpre a suspensão automática na 37a rodada, no meio da semana. Na 6a-feira, dia 6/12, acontece o tal julgamento da expulsão. Já está errado em princípio: a pena deveria ser uma tabela pura e simples, sem essa de julgamento. E o rapaz pega dois jogos, quando 3/4 dos casos similares deram apenas 1 jogo. Que seja.
O advogado informa a Portuguesa que o atleta não tem condições de jogo, e esta diz que o aviso não foi dado. Começa o jogo de empurra. No domingo, em um jogo que não valia nada, o atleta é posto em campo aos 38 minutos do segundo tempo. Ou seja, a tempo apenas de causar essa confusão toda. Se o time pode perder seu principal atacante negociado, precisa repor o elenco. E daí usa esse rapaz, Heverton. Mas se é para dar chance, coloca para jogar o jogo todo, não? Por que apenas aos 38 minutos do segundo tempo? E como ele tem histórico de expulsão rápida, não era melhor colocar mais cedo, para evitar que ele entre pilhado demais no jogo? Que seja.
Seguem as acusações, súmulas, recursos. Vem o julgamento.
A Portuguesa contra um sujeito totalmente despreparado para fazer a defesa. O cidadão tem apenas 10 minutos para explicar seu caso, e usa mal, comparando a presença do jogador a um chuchu, por não ter feito diferença alguma na partida. Não era viável chamar um cara melhor para um assunto tão crítico? Que seja.
Também, verdade seja dita, a defesa não feria a menor diferença. Terminada a explanação, o tal juiz abre uma pasta e puxa uma folha de papel já preenchida com o parecer. Tudo estava decidido antes. 
Agora eu cansei. Chega, gente. Está descarado demais. Perdeu a magia, o véu de esportividade. Foi-se, e não creio que tenha volta. Como diria o apresentador, isto é uma vergonha.
Preparo minha despedida dos gramados para esta Copa do Mundo. Depois dela, afasto-me do futebol. Claro que lerei notícias, mas com os mesmos envolvimento e preocupação de quem acompanha a bolsa do Tóquio: algo importante para muita gente, mas que pouco ou nada me afeta. 
Já passados dos 40, marco minha despedida dos gramados.


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

São Judas

Amigo leitor, caminho 1,6 km toda manhã entre minha casa e o ponto do fretado. O trajeto passa, já no terço final, em frente à Igreja de São Judas.
Hoje cedo, estava eu por ali. Um mulher à minha frente reduziu um pouco o passo e fez o sinal da cruz. No mesmo instante eu soltei um belo de um arroto, consequência do café da manhã que sempre conta com um copo de leite. Ofendida, a mulher olhou feio na minha direção, pelo claro desrespeito que demonstrei pelo lugar.
Juro que foi sem querer.
Pelo menos hoje, foi.

A Chance de uma Vida (15)

Os advogados do hotel ficaram tão surpresos quanto o próprio oficial Silva. Enquanto os dois que apenas tinham ordens de apresentar a oferta e uma mínima margem de negociação estava ali, uma equipe já se preparava para um confronto que, agora eles sabia, jamais iria acontecer. O hóspede aceitou a oferta na primeira reunião: isso não tinha precedentes. 
Pediram, então, um dia para ajustar a papelada. Dia que Saulo passou entre mesas de black jack, a piscina e vagando pela Strip.
No dia seguinte, 9h, reuniram-se novamente. Oficial Silva não daria suporte além daquela reunião, mas o clima tenso dissipara na véspera. Todos estavam sorridentes. Saulo teve até a impressão de estar fazendo mau negócio, mas era tarde para voltar atrás. Fingiu que lia os termos do acordo, pegou o cheque e saiu da sala. Quase esqueceu sua cópia dos termos.
Os termos pouco importavam na verdade. Bastava não processar o hotel e nunca comentar nada que certamente estaria dentro dos limites. Era simples,  na verdade.
Dali, pegou seu carro e imediatamente seguiu para o Bellagio. Tinha uma resposta para dar.
Chegando lá, estacionou o carro e foi à recepção. Pediu para que procurarem um senhor Richard Craig, que foi localizado e contatado prontamente. 
Richard desceu e demonstrou surpresa ao ver Saulo sozinho. Achou que o rapaz recusaria a oferta e logo puxou o assunto:
- Bom dia, sr. Pereira. O senhor veio recusar minha oferta, eu suponho.
- Sim, mas porque ela é uma porcaria. A oferta, as condições. Não seu time.
- Ah, sim. O senhor quer o que então ?
- Quero a temporada toda. 
- Sr. Pereira, eu lhe disse que pretendo compartilhar o carro. 
- Não dou a mínima. Eu compro a vaga.
- O senhor o quê ?!
- Fiz as contas. O senhor vai oferecer 5mil dólares por corrida por 5 corridas para 3 pilotos. Isso dá 75mil. Eu pago e a vaga é minha.
- 75 mil. Sei. E onde o senhor vai arrumar essa quantia?
- Eu já tenho.
Richard finalmente foi pego desprevenido e não pode mais se esconder atrás do olhar firme.
- E onde você arrumou isso tudo?
- Sinto muito, isso é confidencial.
- E como o senhor pretende pagar?
- Com isto.
Saulo mostrou o cheque do hotel, no valor de 142mil dólares. Richard não consegui sequer começar a imaginar o que tinha acontecido.
- Bem... O senhor vai precisar movimentar esse valor. Já arrumou um agente?
- Ainda não.
- Arrume um. Vou colocar meu advogado em contato com o senhor para tratarmos dos trâmites do seu visto. 
- Ótimo.
- Quero o senhor na sessão de testes da próxima semana.
- Onde?
- Iowa. Depois Kentucky. Você precisa treinar e ganhar ritmo de corrida. 
Três semanas depois, entre as sessões de testes no Kentucky, lembrou-se de Patrícia. Ligou para ela do hotel para contar as novidades. Patrícia foi seca, quase grosseira, quando lhe disse que estava saindo com outro rapaz. Verdade ou mentira, não importava mais, ele pensou. Essas três semanas mostraram a ele mesmo que moça fazia parte do passado.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (14)

A conversa era um tanto formal, e Saulo entendia pouco, ou quase nada de que era dito ali. Depois de algumas trocas de frases, o oficial Silva voltou-se para Saulo:
- Sr. Pereira, antes de mais nada gostaria de aconselhar o senhor a contratar um advogado para acompanhar este caso. Tenho certeza de que podemos achar vários aqui mesmo em Las Vegas.
- Pra que?
- Bem, o hotel está lhe oferecendo uma indenização pelo ocorrido hoje.
- E para que eu preciso de um advogado?
- Bem... é tudo muito técnico. Eles vão querer uma contrapartida sua. Acordo de confidencialidade.
- Tá, eu topo. Mas quanto eles estão oferecendo?
- Veja, Sr. Pereira... Acordos de confidencialidade são muito complexos. Eles cercam tudo que o senhor pode e não pode mencionar sobre o caso.
- Sem essa. Corta essa besteira toda e me diz quanto eles vão me oferecer.
- Mas Sr. Pereira...
- Quanto??
Silva virou-se para o advogado e só então Saulo entendeu que os valores sequer tinham sido colocados na mesa. Achou aquilo tudo quase tão chato quanto o período que passou detido na sala. Depois de algumas falas, Silva pareceu realmente surpreso e voltou-se para Saulo.
- Eles estão dispostos a pagar 75 mil imediatamente, desde que o senhor assine o acordo de confidencialidade e um termo de que não vai processá-los pelo ocorrido.
- Pede 125 mil e diga que eu assino os termos.
- Sr. Pereira, os detalhes do acordo...
- Os detalhes são simples: eu fico quieto e não processo eles. Ninguém realmente precisa saber de nada. Fim. Quero só minha grana.
Contrariado, Silva traduziu tudo e os advogados se entreolharam. Fizeram outra proposta, que Silva traduziu.
- 90 mil, sr. Pereira, e eles perguntam se há alguma outra coisa que poderia complementar o acordo.
- Já que você mencionou, eu quero estadias grátis.
- Aqui?! Depois de tudo que o senhor passou?
- Tudo o que? Eu não vou assinar um acordo de confidencialidade?
- Vai...
- Isso eles vão gostar, então. O caso fica totalmente abafado. Se eu revelasse alguma coisa, além de quebrar o acordo, passaria por imbecil por voltar aqui.
- Verdade.
- Então eu quero uma qualidade de vouchers para usar por ano. Veja quanto você arranca deles para usar aqui ou em outros hotéis pelo país. 
- Sr. Pereira, eu sou um oficial de polícia, não um negociador ou advogado.
- Só pede, Silva. Olha pra eles. Veja a ansiedade. Eles querem se ver livres de nós dois o quanto antes.
Silva virou-se para os advogados e, desta vez, foi rápido.
- Eles oferecem os 90 mil, mais os 52 mil pelo carro, mais 120 vouchers por ano, por 3 anos. Eles até acharam graça, pois embora o senhor possa usá-los em duas grandes redes de hotéis, são vouchers nominais, que o senhor não teria como repassar.
- Nem quero. Diga que eu assino.
- O senhor está falando sério?
- Sim, muito sério.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (13)

- Bem, Sr. Pereira, em poucas palavras, o sr. foi acusado de fraude na loteria que sorteou um veículo corvette, feita por este hotel.
- Como?!
- Calma Sr. Pereira, já sabemos que o sr. não fez nada de errado.
- ...
- Posso explicar o ocorrido?
- Acho bom mesmo!
- Como o sr. sabe, houve um sorteio de um veículo corvette feito neste hotel há 2 dias. O sr. comprou um dos bilhetes e seu número foi sorteado.
- ...
- Mas como o sr. não veio retirar o prêmio imediatamente, um homem caucasiano, possivelmente com a ajuda de cúmplices, falsificou o bilhete sorteado do sr. e apresentou-se como vencedor na tarde de ontem. 
- E ele pegou meu carro?
- Sim, sr. A falsificação foi de primeira qualidade. Estado da arte mesmo. Confundiu os atendentes e até o gerente geral. O suspeito recusou-se a tirar fotos recebendo o prêmio, mas isso não é incomum por aqui e não levantou suspeitas.
- Tá. E eu com isso?
- Então o sr. se apresentou hoje com o bilhete verdadeiro e a atendente achou por bem desconfiar do seu bilhete, Sr. Pereira.
- Logo eu?
- Aconteceu, Sr. Pereira. Ela mostrou seu bilhete para o gerente que não notou que o seu era o verdadeiro e tomou o senhor por um falsário
Saulo começou a compreender o que estava acontecendo. Ele fora detido pelo hotel para ser encaminhado à polícia, mas alguém percebeu o erro nesse meio tempo.
- E foi por isso que eu fiquei nesta sala?
- Exato. A esta altura a polícia foi acionada e nos dirigimos para cá para detê-lo. Quando chegamos, um assistente do gente estava falando com ele e gesticulando muito. Quando ele nos atendeu, o embaraço era tangível. 
- "Tangível". Sei. E agora, cadê meu carro?
- Falaremos disso em outra sala, Sr. Pereira. Queira me acompanhar. 
- Mas o que está acontecendo agora?
- O hotel já sabe que errou e lhe causou esse embaraço. Eles vão fazer um pedido de desculpas, mas eu vou acompanhá-lo como intérprete. Cortesia da Polícia Metropolitana de Las Vegas. 
- E meu carro?
- Pode ficar seguro que o sr. não será prejudicado, sr. Pereira. Eu garanto isso.
Saulo foi junto do oficial Silva para uma sala da reuniões de bom gosto impecável. Era um ambiente amplo, com uma mesa elíptica para pelo menos 20 pessoas. A volta tinha estantes com livros e quadros enormes. Saulo não entendia patavinas de arte, mas achou tudo muito requintado, inclusive o carpete espesso. 
A conversa foi lenta, pois Saulo não fez a menor questão de entender o que estava sendo dito em inglês. Silva estava ali para isso. O hotel iniciou pedindo desculpas pelo constrangimento causado e imediatamente apresentou um recibo cancelando a cobrança pela estadia de Saulo no hotel. Junto, o advogado disse que Saulo poderia permanecer hospedado ali por quanto tempo desejasse, sem nenhum custo. Saulo acho aquilo óbvio e entediante.
Eles então entraram na questão do carro. A oferta era simples, na verdade. O modelo custava entre 48 e 53 mil dólares, dependendo de condições e opcionais envolvidos. O modelo sorteado foi comprado por 51 mil e 500. O hotel oferecia um cheque nominal a Saulo no valor de 52 mil dólares, com os quais ele poderia comprar o exato mesmo modelo se assim desejasse. Não havia motivos para recusar.
Começou então a parte delicada da conversa, que era o constrangimento pela falsa acusação e cárcere. Fosse Saulo culpado, o hotel teria agido dentro da lei. O fato de não ser, o tornava vítima, sem meias palavras, de dano moral. E isso era altamente complexo de se avaliar.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (12)

Sorrindo, quase aos pulos, Saulo foi ao balcão apresentar seu bilhete premiado. Talvez houvesse algum tipo de burocracia a se resolver, ainda mais por ser um estrangeiro. Mas isso era coisa menor a se pensar agora. Ele ganhara um corvertte, oras.
Chamou a moça que, sorridente como sempre, atendeu-o. Ele tentou se comunicar, apresentando o bilhete.
- Eu tenho este bilhete premiado. 
- Bom para o senhor ! Qual foi o prêmio ?
- O corvette. 
Estranhamente, a moça ficou séria.
- O senhor tem certeza?
- Sim, acabei de ver os números. Aqui estão. 
A moça olhou o bilhete e respondeu:
- Só um momento, por favor.
Ela se afastou em direção a um gerente mais ao fundo. Saulo não ouviu a conversa, mas ele parou tudo o que estava fazendo e veio imediatamente checar o caso.
- Bom dia. O senhor afirma ter um bilhete premiado para o corvette, é isso?
- Sim. Algum problema?
- Nenhum problema, senhor. Posso ver um documento com foto?
Saulo entregou o passaporte e o gerente verificou rapidamente que era mesmo dele. 
- Tenha a gentileza de me acompanhar disse ele apontado para a lateral do balcão. 
O gerente por aquela exata passagem e logo estava próximo a ele. Conduziu-o para uma porta lateral para uma parte interior do hotel. Nela havia um segurança para quem o gerente apenas disse:
- Código 12. 
- Sim senhor.
Saulo não notou, mas o segurança sacou um rádio e começou a falar com alguém imediatamente. O gerente conduziu Saulo a uma porta, abriu-a e pediu para que entrasse. Era simples, com uma mesa, uma cadeira e uma espécie de banco com acolchoado fino. Tão logo Saulo entrou, o gerente fecho a porta. Saulo ouviu, então, algo estranho: a porta pareceu ser trancada.
Saulo se sentou e esperou. Passados uns quinze minutos, aquela espera começou a se tornar estranha. Ninguém o procurou nesse tempo, ninguém entrou ali... era algo totalmente destoante do clima de prazer e divertimento de Vegas. Resolveu chamar alguém.
Levantou-se e foi até a porta. Testou a maçaneta e, de fato, a porta estava trancada. Ele estava preso!
Só então, notou que a sala onde estava não tinha absolutamente nada além da mesa, cadeira e banco. Não havia nada na mesa, sequer gavetas. Não havia janelas ou mesmo tomadas. O que será que estava acontecendo?
Decidiu tentar algo e bateu na porta, esperando que alguém estivesse do outro lado. Ouviu uma voz do outro lado.
- O que você quer?
- Ehm... banheiro. Preciso ir ao banheiro.
- O sr. fique onde está. Por favor, não comece uma cena.
- Como assim?! Eu quero sair daqui. Preciso ir ao banheiro. Chame um gerente agora.
O silêncio como resposta confirmou seu temor. Por algum motivo ele estava preso. Certamente a polícia havia sido chamada e estava a caminho. Menos mal: assim poderia, com seu parco inglês, tentar saber o que estava acontecendo.
Mas isso não aconteceu por mais de uma hora, estimou ele. Sem relógio ou mesmo celular, a sala era um completo tédio. Alternou o banco com a cedeira, deitando-se algumas vezes, mas realmente ansioso. 
De repente, a porta se abriu, um policial entrou. Com o típico uniforme policial bege claro. A insígnia trazia o sobrenome Silva como identificação. E em um português tipicamente carioca, o policial se dirigiu a Saulo.
- Boa tarde, sr. Pereira. Eu sou o oficial Silva, da Polícia Metropolitana de Las Vegas. Fui chamado para falar com o senhor por ser o único brasileiro na força policial, de modo a conversar com o senhor com mais conforto.
- Bom. Ótimo. Maravilha. E eu posso saber o que diabos está acontecendo?
Oficial Silva expressou um olhar mais preocupado antes de responder, como se escolhesse com cuidado as palavras.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Eu não vi

Eu devia ter algo entre 8 e 10 anos, não tenho certeza mais. Por essa conta, isso aconteceu entre 1982 e 1984, portanto.
Eu frequentava um clube todos os domingos com a família. Jogava bola o dia todo, até ser arrancado de lá. Eu não era particularmente habilidoso, mas sempre fui rápido e resistente como jogador. Depois de um vice-campeonato em um torneio de futebol de salão (isso fica para outro relato), o clube decidiu montar um time infantil de futebol de campo.
Foram marcados alguns treinos onde qualquer garoto até uma certa idade poderia participar. Lá fui eu, empolgado. Afinal, 7 em cada 10 garotos brasileiros diz que quer ser jogador de futebol quando crescer. 
Depois de dois ou três domingos, os fracos haviam desistido. Entre os fortes, haviam os habilidosos e os menos capazes, como em qualquer peneira. Minha capacidade de correr por horas foi se destacando. E como eu não era um completo inepto com as bolas no pé, o técnico Décio me convocou para o time.
Não que eu fosse me tornar um craque (não me tornei) ou tivesse sonhos acima da realidade (não tinha), mas era realmente divertido fazer parte de um time. 
Décio marcou treinos aos domingos, afinal era o dia em que os garotos todos de fato iam para o clube. Não era nada perto de casa, mas não ia alterar a rotina de ninguém na família aquilo. Éramos algo entre 25 e 30 garotos, e eu estava na luta pela vaga na ponta direita do time. O clube forneceria uniformes para os jogos oficiais de um campeonato daí uns meses. Para os treinos, camiseta e shorts por conta de cada um. Nada de mais. Mas como se tratava de futebol de campo, era necessária uma chuteira.
Meu pai, conhecido por segurar despesas, não criou o menor caso com isso. No sábado seguinte, a família toda saiu a pé pelo Itaim até uma loja de material esportivo na r. Joaquim Floriano, a poucos metros da r. João Cachoeira, onde hoje fica uma agência do banco Itaú.
A loja estava cheia, mas não houve qualquer problema de atendimento. Experimentei um modelo da Topper e logo estava satisfeito com a escolha. Na época, não havia essa profusão estúpida de cores e modelos: chuteiras eram pretas, um modelo por fabricante, fim da história.
Levamos o par para o balcão e nesse momento, meu pai ficou estático. Eu não entendi nada, mas tinha alguma coisa a ver com o sujeito que atendia no caixa da loja. Era o dono da loja, pelo que entendi. 
A coisa toda entrou em stasis, e perguntei a minha mãe:
- Mãe, o que está acontecendo com o pai?
- Filho, você não sabe quem é ele, no balão?
- Não, mãe.
- É o Pedro Rocha.
- ...
- Jogador de futebol, filho.
- Ah...
- Jogou no São Paulo, e a loja é dele. Acho que é uruguaio.
- Tá, mas...
- Foi ídolo, entende?
- Eu não lembro dele, mãe.
- Normal, filho. Ele jogou antes de você nascer até você ter uns 4 anos, acho. Não ia lembrar mesmo. Mas teu pai lembra bem, e você sabe o quanto ele é sãopaulino. 
- Sei sim, mãe. 
Meu pai, aos poucos, voltou ao mundo real. O olhar de admiração continuava, mas ele precisava seguir as tarefas do dia. Pagou minha chuteira e fomos embora.

Enfim, eu não vi Pedro Rocha jogar. Dizem que era algo refinado, estiloso, lindo de ver. Dizem que os meias ofensivos de hoje em dia não mereciam sequer amarrar as chuteiras dele. Mas o fato é que Pedro Rocha vendeu minha primeira chuteira, e faz parte da minha história, portanto.
Então, na minha medida, digo:
- Obrigado, Pedro Rocha, por me conduzir ao mundo do futebol. Dencase em paz. (este texto tinha que ser em azul celeste).

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (11)

Diferentemente de quando saiu da pista sabendo que teria a reunião de há pouco, Saulo não saiu dela tão aéreo ou perdido. Agora sabia do que se tratava tudo aquilo.
Claro que era uma decisão complicadíssima. Precisava ler o tal contrato e, provavelmente, chamar algum profissional estranho a ele para ajudar. Precisaria confiar em um estrangeiro desconhecido em outro país, o dele por sinal. Precisaria ligar para pilotos profissionais, que o veriam como futuro concorrente, para pedir ajuda. Aceitar implicava largar tudo que fizera em sua vida profissional até agora, com grandes chances de não ter volta nessa decisão. Havia uma pilha de documentos para providenciar: o visto de turista era algo simples, mas ele duvidava que o visto de trabalho seria a mesma coisa. 
- Céus - falou baixo para si mesmo - Tenho até a Patrícia para pensar...
Terminou o steak e pediu pela conta, apenas para confirmar que o Richard havia pago. Havia.
Com o envelope nas mãos, foi para seu quarto estudar o conteúdo. O contrato se mostrou incompreensível ainda na primeira página. Era um turbilhão de informações jurídicas em inglês. Sequer em português ele entenderia aquilo. O contrato tinha 18 páginas, então não havia sentido algum insistir naquilo. O envelope ainda tinha uma folha com alguns nomes e telefones. Havia 3 empresários e 2 pilotos, ambos brasileiro e um deles bem conhecido. 
Pegou o telefone do quarto, apenas para descobrir que sequer sabia como fazer um ligação externa. Ficou lendo as instruções até achar uma indicação. 
Ligou para o brasileiro menos conhecido, que não atendeu. Ligou para o outro, que também não atendeu. Olhou para os nomes dos empresário, mas concluiu que não conseguiria falar com eles de todo modo.
Fez, então, uma ligação internacional para Patrícia. Essa atendeu, meio chateada por não ter sido lembrada até então. Mas quando Saulo explicou o que estava vivendo, o tom mudou. Patrícia entendeu a ansiedade que Saulo estava vivendo e foi compreensiva. Ouviu tudo que ele tinha para contar, embora ele tenha tentado ser breve. No entanto, quando ele contou do contrato, ela logo percebeu que ele estava considerando aceitar, e isso azedou o tom da conversa. Ela achava um absurdo Saulo largar tudo para correr de carro. Achava que era uma aventura louca e insana. Achava que fazer aquilo era comportamento de um moleque irresponsável.
Saulo não deixava de dar-lhe razão. Ainda assim, era tentador. Não fosse, não havia decisão a tomar, oras. E se havia decisão a tomar, é porque havia vantagens. E por essa linha de raciocínio, Saulo começou a co argumento do tipo "a vida é uma só" e "devemos seguir nossos sonhos". Logo percebeu onde isso levaria.
Levantou-se da cama, pegou a carteira e o passaporte e, então, achou o bilhete daquela loteria. Pensou:
- Bem... vou aproveitar a descida e ver no que deu isso aqui.
Ao chegar a lobby, notou que o corvette não estava mais lá. Mas o cartaz com os números sorteados estava. Seu coração começou a palpitar. 4-6-5-3-9-1. Era seu bilhete. 
O corvette era dele. Não bastava ter uma proposta para virar piloto profissional, ele ia fazer isso dirigindo um corvette. 
Ah, Vegas...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (10)

Precavido, Saulo não quis correr risco algum de não ser encontrado pelo tal Richard. Optou por não sair do quarto sequer para o café da manhã. Tão logo se levantou (acordar não seria um termo adequado na medida em que mal dormiu), pegou o telefone e lutou com seu parco inglês para pedir seu café no quarto. Embora fosse uma opção sempre disponível, isso era pouco usual naquele hotel. Pediu uma opção simples, menos por uma questão de dinheiro e mais por de agilidade.
Comeu em pouco minutos. Depois, ficou acompanhando a estranha programação matutina da televisão americana. Por cerca de 4 horas.
Era quase horário do almoço quando o telefone finalmente tocou. A recepção o chamava, pois um tal Sr. Craig o estava procurando na recepção. Deveria ser o cara. 
Desceu prontamente, esperando encontrar um senhor alto de meia idade, cabelos grisalhos, gordo e chapéu de caubói, ostentando dinheiro em acessórios.  Acertou apenas o último aspecto. O sujeito era pouco mais baixo que ele, atlético e jovem. Deveria ter um olhar sério e firme por trás dos óculos Ray-Ban, que faziam companhia ao relógio, provavelmente Rolex.
Saulo não quis arriscar um mico, e foi à recepção perguntar quem o havia chamado. De fato era aquele rapaz, que imediatamente se aproximou sem sorrir ou tirar os óculos. Estendeu a mão para um aperto firme e breve:
- Sr. Pereira ? perguntou em formal, com fortíssimo sotaque na pronúncia de sobrenome não português. 
- Sim. 
- Muito prazer, Richard Craig. Acompanha-me para um almoço breve ?
- Sim, claro.
- Acompanhe-me, por favor.
Saulo procurou por assessores ou seguranças. Nada. Que tipo de sujeito seria aquele?
Richard caminhou firme pelo saguão do hotel e começou a cruzar o cassino. Do outro lado, havia uma série de restaurantes e ele dirigiu claramente a um deles. Entrou sem perguntar nada e um garçom o esperava em uma mesa. Sentou-se sem esperar por Saulo e pegou seu tablet. Consultou rapidamente algumas informações e o desligou. Só então tirou os óculos e dedicou alguns segundos a escolher suas palavras.
- Sr. Pereira, fui informado de que o senhor não tem um bom domínio do nosso idioma. Correto ?
- Ehm... sim, correto. 
- Falarei devagar, então. Se o senhor não entender algo que eu disser, apenas peça-me para eu repetir.
- Certo.
- Soube que o senhor andou no circuito de Las Vegas há dois dias e deixou ótima impressão.
- Eu estava apenas correndo. Não sabia que era um teste. 
- Não deveria ser. Bem... o passeio não foi, mas a segunda bateria era um teste sim.
- E eu passei ?
Richard mostrou a primeira expressão facial, de leve reprovação.
- Naturalmente, ou eu não estaria aqui.
- Desculpe-me.
- O fato é que eu tenho uma operação na Truck Series. Imagino que o senhor tenha sido informado.
- Brad comentou.
- Ótimo. Estou com dois carros este ano e vou expandir ano que vem. Cheguei a pensar em ir para a Nationwide, mas os custos eram elevados. Mas consegui alguns patrocínios menores para colocar um terceiro carro na pista ano que vem.
- ...
- Enfim, isso não é da sua conta. O que é da sua conta é que terei um carro para 22 corridas da próxima temporada. Quero colocar novatos nesse carro.
- Novatos como eu? 
- Sim.
- Por que mais de um? Por que novatos?
- Quer saber mesmo? Porque a maioria de vocês não sabe a diferença entre correr e pilotar. Mas vai ter a chance de mostrar que sabe.
- Como assim?
- Deixa pra lá. Tenho um contrato aqui para você. Cinco corridas ao longo do ano como titular e outras cinco como reserva imediato. É o mesmo contrato para os outros três caras. Até 31 de julho eu escolho dois de vocês para correr uma sexta prova. 
- Desculpe, não entendi.
- Devagar então. Cinco corrida, ok ?
- Ok.
- Mais cinco como reserva. Backup, substituto.
- São dez ou cinco ? Ainda não entendi.
Richard suspirou, mas manteve a calma.
- Não, são cinco corridas. Isso é o que importa.
- Ok. Cinco corridas.
Ele pegou sua pasta e abriu. Puxou um envelope de dentro e entregou a Saulo.
- É um contrato, tem todos os detalhes, inclusive pagamento. Estou oferecendo 5 mil dólares por corrida e parte dos prêmios que conseguir. É um valor justo para um novato, pode checar com quem quiser. Passagens e estadias por nossa conta. Você tem direito a espaço no macacão se conseguir algum patrocinador. 
- Richard...
- Sr. Craig. 
- Desculpe. Sr.Craig, eu não entendo nada de contratos. E meu inglês é horrível.
- Notei. Arrume um agente que fale sua língua. 
- Como?! Não conheço ninguém aqui...
Richard veio preparado para esta pegunta. 
- No envelope tem um folha com contatos de alguns pilotos latinos por aqui. Acho que tem 2 ou 3 brasileiros, peça a ajuda deles. 
- E eles vão me ajudar?
- Se eu estivesse no lugar deles, não ajudaria. 
Saulo se surpreendeu com a honestidade, mas o momento foi quebrado pelo garçom que trazia apenas um prato. Colocou na frente de Saulo, que subitamente percebeu que não havia pedido nada.
- Aproveite, Sr. Pereira, hoje é por minha conta.
Saulo olhou para o steak, o purê e a salada. Pareciam apetitosos, admitiu. 
- Sr. Craig, eu não tenho visto de trabalho. Na verdade, estou aqui de férias.
- Sei disso tudo. Mas essa papelada pode ser providenciada. Por isso o senhor precisa de um agente.
- Mas... e meu trabalho em casa? Eu tenho um emprego lá...
- Ok. Decline da oferta e volte para ele. Tenho gente procurando pilotos no país inteiro neste momento. Certamente acharia alguém para o seu lugar.
- Eu preciso pensar. disse ele baixando os olhos para o prato.
- Naturalmente. - disse Richard começando a se levantar. 
- Se o senhor me der licença, não almoçarei com o senhor, tenho outros negócios. A oferta vale por três dias. Tome sua decisão. Se não quiser, nem precisa entrar em contato.
- Onde posso encontrá-lo? O senhor está aqui no Luxor?
Richard olhou em volta, com desprezo no olhar. Voltou-se para Saulo.
- Aqui? De modo algum. Bellagio. No envelope há instruções de como o senhor pode me encontrar. 
- ...
- Mais alguma pergunta? - disse ele começando a se afastar.
- Ah... sim! Uma.
-...
- E a temporada inteira?
- O que tem ela?
- O que eu teria que fazer para ter o carro pelo ano todo?
- Pagar por ele.
- Quanto?
- Mais do que você tem. Tenha um bom dia, sr. Pereira.
Saulo ficou olhando para o prato por alguns minutos antes de lembrar de comê-lo. 
Richard afastou-se na direção do saguão rumo à saída principal, para pegar um taxi. Passou por uma aglomeração irritante. Não prestou atenção alguma, mas era algo relacionado a um corvette.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

WTF !?

Acompanhem, amigos leitores, printscreen no site do UOL tirada há pouco, na sessão de Ciência:





A Chance de uma Vida (9)

Saulo foi embora para o hotel de taxi. Não se lembrou do plano de usar ônibus para minimizar custos, nem prestou a menor atenção ao caminho. Por sorte, o taxista não era do tipo que esticava o caminho para tirar uns dólares a mais, mas nem disso Saulo se deu conta. Pagou a corrida e entrou pelo hotel em modo automático.
Na entrada, alguns funcionários colocavam um grande cartaz indicando os números sorteados junto ao corvette que ali estava há alguns dias. Sem olhar para nada, Saulo foi para o quarto. 
Tomou um banho curto e deitou-se nu na cama. Precisava pensar.
Passados 40 minutos, percebeu que não precisava pensar, precisava decidir. Em dois dias se encontraria com um chefe de equipe que lhe faria uma proposta para se tornar um piloto. Mas que tipo de proposta seria? Contrato de um ano? Piloto de testes? Piloto reserva? Ou seria algo menos glamouroso, similar ao que Gary e David faziam ali mesmo na pista de Las Vegas? Na verdade, Saulo percebeu que não tinha informações para pensar. Precisar esperar pelo tal Richard e não fazia sentido preocupar-se mais.
Levantou-se, vestiu-se e saiu para a diversão. Afinal de contas, estava em Vegas e Vegas é um lugar para se divertir, não para pensar.
Ledo engano. De fato, Saulo não tirava a conversa que tivera com Brad da cabeça. Nem mesmo a sensação de velocidade, os momentos em cada curva, a estratégia para ultrapassar David... nada daquilo fixava sua atenção. Saulo ficou até um pouco chateado por não estar saboreando aqueles momentos, mas enfim...
Passou o resto daquela quinta-feira e a sexta perambulando pela Strip. Comeu sem atenção, perdeu quase 200 dólares no black jack, e foi a um show do Cirque du Soleil. Não conseguia se concentrar me nada que não fosse a conversa do sábado. Ali pelas tanta-se, deu-se conta de que não marcara horário, apenas dera o nome do hotel onde estava hospedado. Isso o obrigaria a ficar plantado no quarto do hotel esperando a tal reunião. 
Passou por uma loja de conveniência e comprou duas revistas para lhe fazer companhia, uma das quais de carros e outra de celebridades. Não que tivesse alguma esperança de salvar seu péssimo inglês a tempo da reunião, mas não custava investir um par de minutos nisso. Voltando ao hotel folheava a revista e não se deu conta de que aquele corvette não estava mais na entrada do hotel. 
Jantou ali mesmo e foi deitar cedo. Dormir jamais seria um verbo adequado para descrever aquela noite.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (8)

Tão logo recebeu a bandeira quadriculada, Saulo aliviou o motor. O carro deslizou pelo traçado perdendo velocidade. Conduziu pelas curvas 1 e 2, mantendo a velocidade na reta. Atento, Gary apenas seguiu o protocolo, avisando para entrar nos pits. 
Saulo procedeu com cuidado, e novamente viu Brad esperando por eles. Tinha alguns papeis na mão e, novamente, cara de poucos amigos. Saulo se perguntou se a gravação falhara novamente. 
Após parar o carro, um dos mecânicos começou a ajudar Saulo a sair do carro. Desta vez, porém, Brad veio falar com ele. Estranho: não percebeu ter feito nada errado. Provavelmente era a gravação mesmo. 
Assim que Saulo tirou o capacete, Brad se lembrou de que precisava escolher as palavras com cuidado para o rapaz entender. 
- Saulo, estou com os dados da sua volta aqui.
- A gravação funcionou ?
- Ehm... ah, sim. Claro, funcionou perfeitamente - disse Brad, lembrando da história de cobertura contada meia hora antes.
- Que bom.
- Mas eu queria falar com você sobre suas voltas.
- O que tem elas?
- Por que você demorou tanto para ultrapassar o outro carro?
- Algum problema?
- Não... Sim, na verdade. Eu queria saber porque você demorou. Os dados da telemetria mostram que você estava acelerando menos na saída da curva 2.
- Sim, estava.
- POR QUE ?
Saulo se assustou. Não havia razão alguma para aquilo. Era um passeio apenas, e ele deveria ter que dar explicações. 
- Por que eu não queria dar chances a ele.
- Não faz sentido. Você tinha velocidade para passar nas voltas 4 e 5. Talvez até na 3 fosse possível. Eu só queria saber por que você esperou.
- Não queria que ele passasse de volta.
- E quem disse que ele passaria ?
- Ninguém. Mas passando na última ele não teria a oportunidade.
- Como assim ?
- Eu vi que estava mais rápido na saída da curva 2.
- É. Tanto que ficava segurando o acelerador.
- Mas eu não sabia porque eu era mais rápido. 
- Como assim ?
- Tem vários motivos, não ?
- Quais, por acaso ?
- Ele também podia estar aliviando para me dar uma chance. Se fosse isso, podia passar numa boa. Também podia ser algum problema de acerto, o carro dele podia estar muito preso na saída da curva e por isso eu estava mais rápido. Mas podia ser o...
- O que ?
- Ai como chama mesmo? Vácuo - Saulo lembrou -se que o termo em inglês era draft.
- E se fosse ?
- Se fosse eu é que ia dar o vácuo para ele depois e ele poderia tentar passar de volta. Passando na última volta, não teria outra reta com vácuo. Na curva 4 ele não ia me passar por fora.
- Como você sabe ?
- No video game não funciona. 
- Mas que diabos de critério é esse ?
- Estou errado ?
- Não mas...
- Então, Brad, por favor, explique porque você está bravo assim !
Brad hesitou. Olhou para a telemetria e o rapaz havia baixado o tempo de volta em outros dois décimos de segundo na última volta, quando fez a ultrapassagem. Brad olhou para Gary
- Ele pilotou limpo ?
- Totalmente. Nem se preocupou de estar perto do David. É natural, Brad.
Brad tirou um pen drive do bolso e entregou a Saulo, que o pegou. A conversa mudou completamente de tom.
- Saulo, essa é a gravação da primeira bateria. 
- Mas...
- Foi um modo de manter você aqui mais tempo e fazer esse teste.
- Que teste ?
- A segunda bateria era um teste.
- ...
- Saulo, na sua bateria houveram alguns problemas e você nos surpreendeu com sua velocidade. 
- Sério ?
- Sério. Então resolvemos ver se você é bom ou teve sorte. E você foi muito bem. Realmente, fazia muito tempo que não víamos isso.
- Legal. Mas e daí ?
- Bem... Eu vou ligar para um sujeito que vai querer conversar contigo.
- Sobre ?
- Ele vai te fazer uma oferta. Truck Series.
- Espera, Brad... Mais devagar. 
- É isso, garoto. Você é um talento, e esse cara vai te oferecer um carro para algumas provas na Truck.
- Como assim. Truck ?
- Sim, truck. Competir de verdade.  
- Mas... eu sou só um turista, Brad. Vou embora daqui uns dias. Tenho emprego lá no Brasil.
- Amigo, é o seguinte: eles chega em dois dias e quer te ver. Em que hotel você está ?
- Luxor. 
- Ok. Ele vai te procurar lá.
- Mas...
Não havia como continuar aquela conversa no mundo real. Ele estava sonhando, tinha certeza.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (7)

Brad coordenou o final das atividades da manhã sem muita atenção. Os rapazes sabiam seu trabalho e raramente as coisas saíam do eixo. O caso mais grave aconteceu 4 anos antes, em outra pista, quando um senhor de mais de 60 anos teve um ataque cardíaco dentro do carro. Acidentes mesmo, verdade seja dita, eram raríssimos e nunca passaram de raspões no muro. 
O caro número 68 usado por Saulo foi recolhido. Era preciso ligar a telemetria. O procedimento era simples, apenas demandava alguns minutos. Nenhuma surpresa até aí, pois o rapaz achava que tinha um problema no sistema de gravação de dados. A equipe aproveitou para arrumar o botão de comando do redutor de potência do motor. 
Quando os demais participantes terminaram suas baterias, Brad fez com que fosse firme e delicadamente conduzidos para fora da pista. Os carros 70 e 68 foram alinhados. Saulo e Gary entraram no 68 e o 70 foi ocupado por outro piloto chamado David. No último instante, alguém percebeu a diferença de peso e um dos mecânicos foi escalado como co-piloto contra-peso.
Já no carro, Gary deu a última instrução:
- É simples, sr. Saulo. Vamos segui-lo na volta de saída. Depois da bandeira verde, seis voltas para ultrapassá-lo. Entendeu ?
- Sim. Bandeira verde, seis voltas.
E assim partiram. Saulo seguiu o carro 70 pela volta de saída. Como sequer sabia como sair rápido dos pits, sequer tentou acompanhá-lo. Já na curva 2, passou a acelerar para aproximar e na reta estava rápido e a cerca de 25m de distância. Gary fez um sinal e indicou para Saulo se aproximar, o que ele conseguiu parcialmente. Contornaram as curva 3 e 4 e foi dada bandeira verde.
A primeira volta foi de aprendizado e Saulo optou por não atacar o carro 70. Queria ver como ele fazia as curvas 2 e 3. As curvas 1 e 4 já estavam dominadas. Conforme ele imaginou, o carro 70 simplesmente ignorava as marcas de frenagem e aceleração. Na curva 2, ele abriu novamente a distância, mas Saulo saiu rápido da mesma e pode compensar um pouco na reta. A curva 3 tudo se repetiu, mas de algum modo, Saulo previu o momento de retomar e aceleraram praticamente juntos. Novamente, na saída da curva Saulo se aproximou um pouco e achou aquilo interessante. 
A segunda volta foi de aplicação. Fez exatamente a mesma coisa que o carro 70 fizera na primeira, com melhor desempenho nas saídas de curva. Saulo não deixou de observar o padrão: em quatro curvas, fora mais veloz em todas. O resultado da segunda volta foi aproximar um pouco do carro 70 devido à vantagem das saídas de curva. 
A terceira volta foi de aprimoramento. Seria possível fazer as curvas diferente, e melhor, do que ele? Seria possível frear ainda mais dentro e acelerar ainda antes? Ele percebera que tinha a vantagem. Ou seu carro era melhor ou o outro piloto estava dando uma chance para ele se aproximar nas saídas de curva. O fato é que a brincadeira era divertida. Desta vez, achou o limite do carro já na curva 2. Precisou controlar com precisão o volante, mas o carro saiu colado no 70. Chegou a tirar um pouco o pé na reta e contornou a curva 3 junto a ele. Novamente precisou tirar o pé na saída para não bater. Gary falou pela primeira vez
- Por dentro. Por dentro. 
Saulo fechou a volta 3 e abriu a 4 forçando um pouco para dentro o traçado. Notou que o carro não gostou daquilo e a velocidade não era a mesma. Não conseguiria passara assim. Fez a curva 1 próximo ao 70 e na saída voltou a sentir a aproximação. Gary voltou a indicar para ele tentar ir para dentro, mas Saulo ficou atrás, mantendo a linha. Gary se perguntava se o rapaz tinha amarelado. Terminou a volta 4 colado no 70, mas sem tentar mudar o traçado para ultrapassar.
A volta 5 foi praticamente uma cópia da volta 4. Saulo contornava as curvas melhor, economizava potência na saída das curvas e continuava próximo ao 70. Nos boxes, Brad via os tempos de volta e não estava entendendo a hesitação do rapaz. Ao final desta, bandeira branca indicando que faltava apenas uma.
Era o momento de fazer o movimento. Saulo contornou a curva 2 como nas vezes anteriores, mas não segurou o pé na saída. O carro se aproximou rapidamente, e ainda no primeiro terço da reta ele puxou para a esquerda, por dentro. Seguiu acelerando e ganhou a posição com extrema facilidade. Procurou por ele no retrovisor e foi nesse momento que descobriu que não tinha um. Assustado, gritou no microfone para Gary
- Gary, onde ele está?
- Não se preocupe. Faça sua curva. 
- E se bater?
- Não vai bater. Faça a curva.
Saulo contornou a curva 3 pelo traçado que conhecia. Rezava para que o carro 70 não estivesse tentando retomar a posição, pois neste caso bateriam. Mas tudo correu bem. Fez a curva 3, depois a 4 e terminou a frente do carro 70. 
Que dia era aquele !

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A Chance de uma Vida (6)

Quando Saulo parou o carro, Brad dirigiu-se para o lado direito, para falar com Gary. Saulo ficou mais tranquilo. Vira a expressão de irritação no olhar do coordenador, mas concluiu erroneamente que ele não tinha nada a ver com a causa. 
Mais experiente, Gary saiu sozinho e com facilidade do carro. Saulo contou com a ajuda de dois assistentes. Tão logo Gary tirou o capacete, Brad começou a falar. 
- Sr. Kaszcinky, o senhor pode me explicar o que aconteceu dentro desse carro ?
O tratamento pelo sobrenome indicava que a situação era séria como Gary previra. Tinha uma frase para se explicar, ou ao menos manter a atenção de Brad nele. Escolheu as palavras e respondeu, tentando demonstrar calma e firmeza nas informações.
- Brad (optou pelo tratamento informal corriqueiro), acho que o rapaz não entende uma palavra em inglês, pois simplesmente não estava seguindo as instruções que eu passava. E redutor de potência não funcionou.
A beira de gritar, Brad respondeu:
- É sr. Hayworth. E você quer que eu acredite nisso, sr. Kascinky ?
- Olhe o botão aqui ! - disse Brad apontando para dentro do carro. Brad olhou e, de fato, o botão estava completamente solto. Não havia como reduzir a velocidade. 
-...
- E olha a cara de bobo dele, Brad - arriscou-se - Ele não está entendendo nada do que estamos falando.
De fato, Saulo estava com aquele olhar estasiado comum a todos os participantes desse tipo de passeio. E eles conversavam a 3 metros dele, não tinha como não ouvir, apenas não entender.
- Ok, ok. Mas vocês me deram um susto danado, Gary. Não sabia se ele ia arrebentar o carro ou bater o recorde da pista andando rápido daquele jeito. Isso não pode acontecer...
- E o recorde ?
- Hein ?
- O recorde. Ele bateu ?
Brad olhou para Saulo, que se atrapalhava tentando tirar o macacão. Sorria como uma criança. Era a benção da ignorância.
- Quase 4 décimos abaixo.
- Brad, eu estava lá dentro. O rapaz é bom. A telemetria estava ligada ?
- Não, claro que não. Como iríamos imaginar ?
Brad estava mais calmo. Foi tudo uma grande equívoco e ninguém saiu machucado.
- Brad, esse tipo de talento não aparece todo dia.
- Eu sei muito bem o que você está tentando dizer.
- Você sabe o que está em jogo aqui. Richard está procurando novatos pelo país inteiro. Vamos indicar esse, oras. Afinal de contas, só veio retardado pilotar aqui o mês todo.
Brad aliviou a tensão e sorriu pela primeira vez. 
- Lembra daquele árabe querendo trocar as marchas ?
- E os irmãos japoneses, que queriam andar no outro sentido ?
Ambos riram juntos.
- Ok, mas e se ele não for isso tudo, Gary ? Se ele não tinha a menor noção do que estava acontecendo, pode ser daqueles talentos natos que quebram sob pressão. Não quero indicar um babaca para o Richard.
- Bota ele na pista de novo. Vamos colocar pressão aqui mesmo, oras. E não venha me falar em custos: os carros estão aí, é só colocar gasolina para outro turno e vamos ver o que acontece. 
- E qual a sua ideia ? Esquema caçador ?
- Pensei a mesma coisa. 
Sorriram um para o outro.
- E o que eu vou dizer para ele ?
- Diga o que você quiser, Brad. Ele não vai entender mesmo.
Brad andou na direção de Saulo, que aguardava do lado de dentro do pitwall. O rapaz não era indisciplinado, no fim das contas. Era uma questão de não ter entendi patavinas do que estava acontecendo. Precisava falar de modo simples para ele entender. E precisava de uma boa história de cobertura para fazer o tal teste do caçador.
Passou a falar mais lentamente, e com o linguajar mais simples possível.
- Sr. Saulo ?
- Sim.
- O sr. entende inglês ?
- Muito pouco.
- Ok. Sr. Saulo, houve um problema no seu passeio.
- Problema ?
- Perdemos os dados. Perdemos a filmagem. Entende ?
- Oh. Que pena - disse Saulo, achando que seria reembolsado por uma parte das despesas. 
- Para compensar, oferecemos que o senhor faça outro passeio no mesmo carro. 
- Outro ?
- Sim, e um pacote diferente. Melhor.
- Não entendi, Brad.
- Andar de novo, pacote melhor, sem custo.
- Sem custo ?
- Sem custo algum para o senhor.
- Legal !
- O senhor aceita, então ?
- Claro. Quando vai ser ?
- Vamos terminar os outros da sua bateria antes, se o senhor não se importar.
- Como ?
- Mais tarde. Meia hora.
- Ah, sim. Tudo bem.
- E vai ter uma diferença.
- Diferença ? De valores ?
- Não sr. Saulo. Sem custos adicionais.
- Não entendi.
- Vamos colocar outro carro na pista logo a sua frente. O senhor terá seis voltas completas para passar ele.
- Passar o outro. Entendi. Seis voltas ?
- Seis voltas. É nosso modo de pedir desculpas pelo problema com os dados. E vamos cuidar e gravar tudo desta vez. 
- Legal. Outro passeio. Gostei daqui. Gary vai comigo de novo ?
Brad e Gary se entreolharam. 
- Vai sim. 
Saulo sentou-se e voltou a se pensar na pista. Bacana: ganhar um passeio grátis porque um pen drive não funcionou. 
Gary perdeu 5 minutos explicando que apontar para a esquerda significa ir mais para dentro da pista, e direita era para fora. Desta vez, Saulo pareceu entender.
Brad fez uma ligação para o tal Richard, que demonstrou interesse polido pela história. Pediu apenas os dados gravados e uma maneira de entrar em contato com o rapaz. 

Nesse meio tempo, uma moça loira muito bonita chama Jennifer, que por pouco escapara da vida na prostituição dois anos antes, sorteava 6 bolinhas numeradas em uma sequência bastante particular para esta história.