sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Direcione sua Raiva

Anos atrás, eu passei uma fase curiosa na vida. Meu então sócio Marcelo vivia a mesma pindaíba que eu, e aproveitou a oportunidade para se divorciar e ficar sem ter onde morar. Timing é tudo, não? 
Marcelo pegou suas coisas e foi-se para meu apartamento, onde moramos como uma república monarquista por 5 meses. Na época, ele namorava uma moça chamada F. Como vou chamá-la de maluca, desequilibrada e um tanto estúpida daqui a pouco, acho melhor não mencionar o nome completo.
Um dia, eles chegaram em casa e queriam ver uma nova série de tv que acabaram de descobrir. Chamava-se The Big Bang Theory. Ela me entregou um pen-drive para eu copiar os arquivos no meu desktop, de onde se transmitiam os arquivos via cabos RCA para a tv. Naturalmente, eu passei um anti-virus no dito cujo e infelizmente estava contaminado até a semana que vem. Avisei e desconectei o mesmo, sem copiar os arquivos. Ela ficou ofendida, e disse para eu ver a série, pois eu era igual um dos personagens, um tal de Sheldon
Obviamente eu não entendi a referência, pois eu não conhecia a série. Mais tarde, entendi que o sujeito é um esteriótipo bastante forte de um nerd, sendo um completo inepto social, sendo essa a graça maior do personagem. Claramente ela me ofendeu por comparação naquele dia. Ela era incapaz de manter um pen-drive livre de infecções de vírus, mas ela tinha que ofender alguém por isso, e me escolheu, sabendo que eu não tinha como entender a referência na hora. E fez isso dentro da minha casa. De fato, ela era maluca, desequilibrada e um tanto estúpida. 
Tempos depois, apresentou-se uma oportunidade melhor de ver a tal série. Logo no primeiro episódio, entendi a ofensa feita meses atrás. Sheldon é um sujeito muito inteligente, mas não tem nenhum tato social. Ele chateia e ofende as pessoas por não saber como lidar com elas. Sequer percebe isso. Notei, então, que F. havia me chamado de Sheldon apenas por eu ter avisado que havia virus no pen-drive dela. 
Havia enorme potencial para eu me chatear com a série, portanto. Já acontecera antes, mais de uma vez. O meu caminho natural era ligar a ofensa ao personagem e à série, e acabar classificando-a de chata, exagerada, boba. 
Mas eu consegui separar as coisas, e isso me deixou muito feliz comigo mesmo. Culpar a série seria o caminho natural no meu comportamento, pelo menos até então, ainda que isso não fosse algo consciente. Mas eu superei
Já vi 6 temporadas da mesma e é uma das grandes criações da televisão neste século. Não se trata apenas das piadas sociais clássicas, mas há diversas sacadas científicas e acadêmicas envolvidas, que muita gente sequer percebe que estão ali. 
O grande ponto da série, pra mim, foi saber separar a ofensa da série; a obra da ferramenta; o criminoso da arma. Direcionei minha raiva para o alvo certo: a pessoa (F.) que me "xingou" de Sheldon, e não o Sheldon. E isso só me fez aproveitar ainda mais a série, porque além de divertida, ela me relembra de uma vitória pessoal sobre um defeito que eu tinha. 
Amigo A., este post é totalmente dedicado a você.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

De volta

Acharam que iam se livrar de mim, hein ?
Confesso que fiquei largado no sofá esses dias todos. Alternei entre filmes do 007, Breaking Bed e jogar PS3. Nada mal para um feriado.
Sim, feriado, não Natal. Não comemoro Natal. Acho um porre, por incontáveis motivos. Mas como optei por um post personalista hoje, gastarei o vernáculo nisso. Que tal cronológico?
Quando criança (sim, eu fui criança), eram duas grandes festas de família, uma em cada semana. Os parentes de Goiás vinham de baciada para cá e grau de bagunça se elevava. Eu tinha duas primas, uma um pouco mais velha, outra um pouco mais nova e nos dávamos muito bem. Com a mais nova, mantenho algum contato até hoje. As tias não cozinhavam pior do que o pessoal daqui, então o potencial de festa, presentes e comilança era altíssimo. E ainda assim as coisas não funcionavam. 
O primeiro problema era a escolha das casas. Éramos três na mesma quadra, o que mostra excesso para duas festas. Um enorme jogo de puxa-empurra. Depois eram as reuniões intermináveis para decidir fazerem os mesmos pratos de sempre. Nada contra comermos a mesma coisa todo ano, até porque era muito bom mesmo. Sério. Mas se nada seria mudado, para que as reuniões? 
E as brigas? Ah, as brigas... Sempre tinha alguém para apontar o dedo na cara do outro sobre... sobre o que mesmo? Ninguém lembra. Mas sempre ficava um clima.
Decidido fazer tudo igual, sempre tinha um para entender errado. O resultado eram inevitáveis casos de "duas farofas e zero arroz", o algo similar. Alguém devia fazer a ata desses reuniões e obrigar todos a assinar e reconhecer firma.
Daí vinham os presentes. Roupa, sempre roupa. Nunca achei graça em ganhar roupa. Não gosto de roupa. Tenho 8 camisetas brancas idênticas para usar por baixo da camisa social. As cuecas foram um lote de 12, compradas na 25 de março. Na época, ganhar roupa era dois infernos: deixar de ganhar algo realmente divertido ou útil, e ainda ter que perder tempo trocando. Um dia eu narro essa parte em detalhes...
O tempo passou, e outro aspecto foi se instalando na minha pessoal: não gosto de multidões. Mesmo em casamentos ou aniversários, posso até navegar entre as pessoas, mas em pequenos lotes, sempre. O leitor pode estranhar isso em quem já frequentou estádios e autódromos, mas há uma diferença fundamental: em ambos o sujeito é aquele solitário na multidão. Aquele monte de gente é apenas cenário móvel e vivo. Assim como não se depreda um assento, não se pisa no pé do estranho. Fora o comportamento civilizado, o vizinho não existe. E essas festas de fim de ano são aquele aglomerado de gente se apertando e querendo conviver. Como pode isso ?
No meu último Natal, na casa da minha cunhada, não foi diferente. Ótimas pessoas, muita educação da parte de todos, sem exceção. E ainda assim, quando chega a arbitrária meia noite (quem disse que Jesus nasceu à meia noite ?) do horário de verão (não falei que é arbitrário ?!) no nosso fuso horário (enfim...), aquele monte de gente que você acabou de conhecer ou vê duas vezes por ano vem te abraçar:
- Feliz Natal, tudo de bom pra você...
Tudo de bom pra mim? Você me conhece, por acaso? Sabia que eu sou o crápula que buzinou pra você no caminho daqui? Sabia que eu sou sonegador de impostos, jogo lixo no chão ou não reciclo caixas de papelão? Não sou, mas quem é que sabe depois de, talvez, 15 minutos de conversa?
Artificial demais, amigo leitor.
Claro que tem o aspecto religioso. E não me venha com o argumento-clichê de que é uma festa social e de família. É um evento religioso sim. O crescente e desenfreado consumismo dessa época do ano é totalmente coerente com o cristianismo, não finja que não é. A própria Bíblia ensinou isso em Mateus 2-11: " E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra." Ouro: se isso não é consumismo, peço que me expliquem novamente.
Eu passei a pessoalmente boicotar todo e qualquer evento de cunho religioso em 2012. Comecei pela Páscoa e nunca mais apareci em nada. 
Tem dado certo e pretendo continuar nos próximos, digamos, 75 anos.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Pilhas novas

Amigo leitor, venho com grande atraso comentar algumas previsões que deixei aqui neste espaço anteriormente.
Não rolou. Aqui, uma explicação é justa. No início de setembro, de fato começaram a escalar os protestos no Rio, mas houve um momento de ruptura quando os babacas do Black Block se apossaram do movimento. Talvez o presente tivesse sido outro, mas o fato é que o apoio popular previsto pelo professor Silvio não aconteceu.
Só que não. Matt foi bem regular no Chase sim, tendo apenas dois resultados ruins, apenas um deles desastroso, em Phoenix. Mas Jimmy Johnson voltou a ser o monstro do chase de anos atrás e tomou conta do campeonato. Fez a prova final em Homestead apenas controlando a posição na pista, e Matt nunca teve a menor chance na prova final. 
Com isso, o #48 completa seu sexto título, que ele apelidou carinhosamente de "Six Pack". 
  • Galo
Nunca publiquei, mas admito que pensei que o Galo passaria à final do Mundial Interclubes. Assim pensava eu, quase toda a imprensa esportiva e até os torcedores que compraram pacotes apenas para ver a final. 

Aparentemente, minha Bola de Cristal está sem pilhas. Providenciarei novas para 2014.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Primeira vez

Esta semana, conversei com o colega Marcos, corinthiano, no trabalho, sobre o Mundial Interclubes em andamento, e que termina hoje com final pouco esperada. Disse eu:
- Caramba, meu. Com a vitória do Raja Casablanca sobre o Galo, é a primeira vez que o time da casa vai disputar a final do Mundial Interclubes.
- Putz, é mesmo!
- É o que o Mundial acontece em países esquisitos, sem tradição de clubes fortes.
- É...
Fiquei em silêncio por poucos segundos, esperando para o ataque final. E retomei o tema:
- Tá vendo só ?
- O que ?
- Nem você, que é corinthiano, falou do Vasco no suposto campeonato de 2000. Nem você leva aquilo a sério.

Silêncio constrangedor.

O Imbecil do Dia

Amigo leitor, a conversa a seguir eu ouvi hoje pela manhã. Estava no banheiro, portas fechadas, e não vi o autor da pérola. Segue mais ou menos como se passou, pegando o assunto pelo meio.
- Mas e aí, chegou no horário?
- Praticamente, atrasei só um pouco.
- Que susto, hein?
- Verdade. Mas eu tenho um esquema para chegar rápido aqui pelo Rodoanel.
- Sério?
- Sério.
- Como é?
Daí o sujeito descreve alguns detalhes de trajeto até chegar ao Rodoanel que pouco importam para este relato.
- Ah, tá. E vem pela BR, na direção do Taboão. Entendi.
- Exato. Aí é moleza.
- Mas diz aí... e o trânsito? A BR vive parada.
- E para que serve acostamento?
- Hum... para te dar uma multa?
- Nada. Eu venho pelo acostamento com a seta ligada. Se o guarda me ver, é porque eu estou saindo da estrada e pronto. esquema.

É isso mesmo, amigo leitor. O imbecil do dia, que não sei quem é, acha lindo dirigir pelo acostamento. Também deve ser do tipo que acha horrível o Mensalão, o caso Siemens, a Máfia do ISS. E acha que não é parte do problema.
Mas é sim.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Cansei

Não é de hoje que meu interesse por futebol cai mais rápido saldo de conta de professor. Isso se devia a principalmente a dois fatores, ambos intra-campo. 
Por um lado, o esporte, enquanto jogo, tornou-se repetitivo e previsível em cada jogada. Não temos mais as variações táticas, as surpresas. Até as jogadas são sempre as mesmas, como linha de fundo para cruzamento, troca de passes pelo meio até entrar na área ou apenas circular a bola até se abrir espaços para um chute de longe. Quase nenhum time usa dois meias ofensivos: é sempre um meia e três volantes. O único time que tentou isso, e que eu me lembre, foi o São Paulo com Ganso e Jadson, e o esquema se provou fraco.
O segundo motivo era a arbitragem. Não se passa uma rodada de qualquer campeonato sem que algum erro grave altere um resultado. E nada é feito a respeito disso, em nível algum. Isso estraga demais o jogo.
Mas eu ainda resistia, embora menos empolgado.
Agora entra o STJD e brincadeira acabou de vez. Os lances bizarros que compuseram a queda da Portuguesa são tantos que assustam. Comecemos pela expulsão de um atacante reserva no jogo da 36a rodada. Não vi o lance, mas ele conseguiu entrar em campo e ser expulso rapidinho assim? Que seja. 
Daí ele cumpre a suspensão automática na 37a rodada, no meio da semana. Na 6a-feira, dia 6/12, acontece o tal julgamento da expulsão. Já está errado em princípio: a pena deveria ser uma tabela pura e simples, sem essa de julgamento. E o rapaz pega dois jogos, quando 3/4 dos casos similares deram apenas 1 jogo. Que seja.
O advogado informa a Portuguesa que o atleta não tem condições de jogo, e esta diz que o aviso não foi dado. Começa o jogo de empurra. No domingo, em um jogo que não valia nada, o atleta é posto em campo aos 38 minutos do segundo tempo. Ou seja, a tempo apenas de causar essa confusão toda. Se o time pode perder seu principal atacante negociado, precisa repor o elenco. E daí usa esse rapaz, Heverton. Mas se é para dar chance, coloca para jogar o jogo todo, não? Por que apenas aos 38 minutos do segundo tempo? E como ele tem histórico de expulsão rápida, não era melhor colocar mais cedo, para evitar que ele entre pilhado demais no jogo? Que seja.
Seguem as acusações, súmulas, recursos. Vem o julgamento.
A Portuguesa contra um sujeito totalmente despreparado para fazer a defesa. O cidadão tem apenas 10 minutos para explicar seu caso, e usa mal, comparando a presença do jogador a um chuchu, por não ter feito diferença alguma na partida. Não era viável chamar um cara melhor para um assunto tão crítico? Que seja.
Também, verdade seja dita, a defesa não feria a menor diferença. Terminada a explanação, o tal juiz abre uma pasta e puxa uma folha de papel já preenchida com o parecer. Tudo estava decidido antes. 
Agora eu cansei. Chega, gente. Está descarado demais. Perdeu a magia, o véu de esportividade. Foi-se, e não creio que tenha volta. Como diria o apresentador, isto é uma vergonha.
Preparo minha despedida dos gramados para esta Copa do Mundo. Depois dela, afasto-me do futebol. Claro que lerei notícias, mas com os mesmos envolvimento e preocupação de quem acompanha a bolsa do Tóquio: algo importante para muita gente, mas que pouco ou nada me afeta. 
Já passados dos 40, marco minha despedida dos gramados.


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

São Judas

Amigo leitor, caminho 1,6 km toda manhã entre minha casa e o ponto do fretado. O trajeto passa, já no terço final, em frente à Igreja de São Judas.
Hoje cedo, estava eu por ali. Um mulher à minha frente reduziu um pouco o passo e fez o sinal da cruz. No mesmo instante eu soltei um belo de um arroto, consequência do café da manhã que sempre conta com um copo de leite. Ofendida, a mulher olhou feio na minha direção, pelo claro desrespeito que demonstrei pelo lugar.
Juro que foi sem querer.
Pelo menos hoje, foi.

A Chance de uma Vida (15)

Os advogados do hotel ficaram tão surpresos quanto o próprio oficial Silva. Enquanto os dois que apenas tinham ordens de apresentar a oferta e uma mínima margem de negociação estava ali, uma equipe já se preparava para um confronto que, agora eles sabia, jamais iria acontecer. O hóspede aceitou a oferta na primeira reunião: isso não tinha precedentes. 
Pediram, então, um dia para ajustar a papelada. Dia que Saulo passou entre mesas de black jack, a piscina e vagando pela Strip.
No dia seguinte, 9h, reuniram-se novamente. Oficial Silva não daria suporte além daquela reunião, mas o clima tenso dissipara na véspera. Todos estavam sorridentes. Saulo teve até a impressão de estar fazendo mau negócio, mas era tarde para voltar atrás. Fingiu que lia os termos do acordo, pegou o cheque e saiu da sala. Quase esqueceu sua cópia dos termos.
Os termos pouco importavam na verdade. Bastava não processar o hotel e nunca comentar nada que certamente estaria dentro dos limites. Era simples,  na verdade.
Dali, pegou seu carro e imediatamente seguiu para o Bellagio. Tinha uma resposta para dar.
Chegando lá, estacionou o carro e foi à recepção. Pediu para que procurarem um senhor Richard Craig, que foi localizado e contatado prontamente. 
Richard desceu e demonstrou surpresa ao ver Saulo sozinho. Achou que o rapaz recusaria a oferta e logo puxou o assunto:
- Bom dia, sr. Pereira. O senhor veio recusar minha oferta, eu suponho.
- Sim, mas porque ela é uma porcaria. A oferta, as condições. Não seu time.
- Ah, sim. O senhor quer o que então ?
- Quero a temporada toda. 
- Sr. Pereira, eu lhe disse que pretendo compartilhar o carro. 
- Não dou a mínima. Eu compro a vaga.
- O senhor o quê ?!
- Fiz as contas. O senhor vai oferecer 5mil dólares por corrida por 5 corridas para 3 pilotos. Isso dá 75mil. Eu pago e a vaga é minha.
- 75 mil. Sei. E onde o senhor vai arrumar essa quantia?
- Eu já tenho.
Richard finalmente foi pego desprevenido e não pode mais se esconder atrás do olhar firme.
- E onde você arrumou isso tudo?
- Sinto muito, isso é confidencial.
- E como o senhor pretende pagar?
- Com isto.
Saulo mostrou o cheque do hotel, no valor de 142mil dólares. Richard não consegui sequer começar a imaginar o que tinha acontecido.
- Bem... O senhor vai precisar movimentar esse valor. Já arrumou um agente?
- Ainda não.
- Arrume um. Vou colocar meu advogado em contato com o senhor para tratarmos dos trâmites do seu visto. 
- Ótimo.
- Quero o senhor na sessão de testes da próxima semana.
- Onde?
- Iowa. Depois Kentucky. Você precisa treinar e ganhar ritmo de corrida. 
Três semanas depois, entre as sessões de testes no Kentucky, lembrou-se de Patrícia. Ligou para ela do hotel para contar as novidades. Patrícia foi seca, quase grosseira, quando lhe disse que estava saindo com outro rapaz. Verdade ou mentira, não importava mais, ele pensou. Essas três semanas mostraram a ele mesmo que moça fazia parte do passado.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (14)

A conversa era um tanto formal, e Saulo entendia pouco, ou quase nada de que era dito ali. Depois de algumas trocas de frases, o oficial Silva voltou-se para Saulo:
- Sr. Pereira, antes de mais nada gostaria de aconselhar o senhor a contratar um advogado para acompanhar este caso. Tenho certeza de que podemos achar vários aqui mesmo em Las Vegas.
- Pra que?
- Bem, o hotel está lhe oferecendo uma indenização pelo ocorrido hoje.
- E para que eu preciso de um advogado?
- Bem... é tudo muito técnico. Eles vão querer uma contrapartida sua. Acordo de confidencialidade.
- Tá, eu topo. Mas quanto eles estão oferecendo?
- Veja, Sr. Pereira... Acordos de confidencialidade são muito complexos. Eles cercam tudo que o senhor pode e não pode mencionar sobre o caso.
- Sem essa. Corta essa besteira toda e me diz quanto eles vão me oferecer.
- Mas Sr. Pereira...
- Quanto??
Silva virou-se para o advogado e só então Saulo entendeu que os valores sequer tinham sido colocados na mesa. Achou aquilo tudo quase tão chato quanto o período que passou detido na sala. Depois de algumas falas, Silva pareceu realmente surpreso e voltou-se para Saulo.
- Eles estão dispostos a pagar 75 mil imediatamente, desde que o senhor assine o acordo de confidencialidade e um termo de que não vai processá-los pelo ocorrido.
- Pede 125 mil e diga que eu assino os termos.
- Sr. Pereira, os detalhes do acordo...
- Os detalhes são simples: eu fico quieto e não processo eles. Ninguém realmente precisa saber de nada. Fim. Quero só minha grana.
Contrariado, Silva traduziu tudo e os advogados se entreolharam. Fizeram outra proposta, que Silva traduziu.
- 90 mil, sr. Pereira, e eles perguntam se há alguma outra coisa que poderia complementar o acordo.
- Já que você mencionou, eu quero estadias grátis.
- Aqui?! Depois de tudo que o senhor passou?
- Tudo o que? Eu não vou assinar um acordo de confidencialidade?
- Vai...
- Isso eles vão gostar, então. O caso fica totalmente abafado. Se eu revelasse alguma coisa, além de quebrar o acordo, passaria por imbecil por voltar aqui.
- Verdade.
- Então eu quero uma qualidade de vouchers para usar por ano. Veja quanto você arranca deles para usar aqui ou em outros hotéis pelo país. 
- Sr. Pereira, eu sou um oficial de polícia, não um negociador ou advogado.
- Só pede, Silva. Olha pra eles. Veja a ansiedade. Eles querem se ver livres de nós dois o quanto antes.
Silva virou-se para os advogados e, desta vez, foi rápido.
- Eles oferecem os 90 mil, mais os 52 mil pelo carro, mais 120 vouchers por ano, por 3 anos. Eles até acharam graça, pois embora o senhor possa usá-los em duas grandes redes de hotéis, são vouchers nominais, que o senhor não teria como repassar.
- Nem quero. Diga que eu assino.
- O senhor está falando sério?
- Sim, muito sério.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (13)

- Bem, Sr. Pereira, em poucas palavras, o sr. foi acusado de fraude na loteria que sorteou um veículo corvette, feita por este hotel.
- Como?!
- Calma Sr. Pereira, já sabemos que o sr. não fez nada de errado.
- ...
- Posso explicar o ocorrido?
- Acho bom mesmo!
- Como o sr. sabe, houve um sorteio de um veículo corvette feito neste hotel há 2 dias. O sr. comprou um dos bilhetes e seu número foi sorteado.
- ...
- Mas como o sr. não veio retirar o prêmio imediatamente, um homem caucasiano, possivelmente com a ajuda de cúmplices, falsificou o bilhete sorteado do sr. e apresentou-se como vencedor na tarde de ontem. 
- E ele pegou meu carro?
- Sim, sr. A falsificação foi de primeira qualidade. Estado da arte mesmo. Confundiu os atendentes e até o gerente geral. O suspeito recusou-se a tirar fotos recebendo o prêmio, mas isso não é incomum por aqui e não levantou suspeitas.
- Tá. E eu com isso?
- Então o sr. se apresentou hoje com o bilhete verdadeiro e a atendente achou por bem desconfiar do seu bilhete, Sr. Pereira.
- Logo eu?
- Aconteceu, Sr. Pereira. Ela mostrou seu bilhete para o gerente que não notou que o seu era o verdadeiro e tomou o senhor por um falsário
Saulo começou a compreender o que estava acontecendo. Ele fora detido pelo hotel para ser encaminhado à polícia, mas alguém percebeu o erro nesse meio tempo.
- E foi por isso que eu fiquei nesta sala?
- Exato. A esta altura a polícia foi acionada e nos dirigimos para cá para detê-lo. Quando chegamos, um assistente do gente estava falando com ele e gesticulando muito. Quando ele nos atendeu, o embaraço era tangível. 
- "Tangível". Sei. E agora, cadê meu carro?
- Falaremos disso em outra sala, Sr. Pereira. Queira me acompanhar. 
- Mas o que está acontecendo agora?
- O hotel já sabe que errou e lhe causou esse embaraço. Eles vão fazer um pedido de desculpas, mas eu vou acompanhá-lo como intérprete. Cortesia da Polícia Metropolitana de Las Vegas. 
- E meu carro?
- Pode ficar seguro que o sr. não será prejudicado, sr. Pereira. Eu garanto isso.
Saulo foi junto do oficial Silva para uma sala da reuniões de bom gosto impecável. Era um ambiente amplo, com uma mesa elíptica para pelo menos 20 pessoas. A volta tinha estantes com livros e quadros enormes. Saulo não entendia patavinas de arte, mas achou tudo muito requintado, inclusive o carpete espesso. 
A conversa foi lenta, pois Saulo não fez a menor questão de entender o que estava sendo dito em inglês. Silva estava ali para isso. O hotel iniciou pedindo desculpas pelo constrangimento causado e imediatamente apresentou um recibo cancelando a cobrança pela estadia de Saulo no hotel. Junto, o advogado disse que Saulo poderia permanecer hospedado ali por quanto tempo desejasse, sem nenhum custo. Saulo acho aquilo óbvio e entediante.
Eles então entraram na questão do carro. A oferta era simples, na verdade. O modelo custava entre 48 e 53 mil dólares, dependendo de condições e opcionais envolvidos. O modelo sorteado foi comprado por 51 mil e 500. O hotel oferecia um cheque nominal a Saulo no valor de 52 mil dólares, com os quais ele poderia comprar o exato mesmo modelo se assim desejasse. Não havia motivos para recusar.
Começou então a parte delicada da conversa, que era o constrangimento pela falsa acusação e cárcere. Fosse Saulo culpado, o hotel teria agido dentro da lei. O fato de não ser, o tornava vítima, sem meias palavras, de dano moral. E isso era altamente complexo de se avaliar.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (12)

Sorrindo, quase aos pulos, Saulo foi ao balcão apresentar seu bilhete premiado. Talvez houvesse algum tipo de burocracia a se resolver, ainda mais por ser um estrangeiro. Mas isso era coisa menor a se pensar agora. Ele ganhara um corvertte, oras.
Chamou a moça que, sorridente como sempre, atendeu-o. Ele tentou se comunicar, apresentando o bilhete.
- Eu tenho este bilhete premiado. 
- Bom para o senhor ! Qual foi o prêmio ?
- O corvette. 
Estranhamente, a moça ficou séria.
- O senhor tem certeza?
- Sim, acabei de ver os números. Aqui estão. 
A moça olhou o bilhete e respondeu:
- Só um momento, por favor.
Ela se afastou em direção a um gerente mais ao fundo. Saulo não ouviu a conversa, mas ele parou tudo o que estava fazendo e veio imediatamente checar o caso.
- Bom dia. O senhor afirma ter um bilhete premiado para o corvette, é isso?
- Sim. Algum problema?
- Nenhum problema, senhor. Posso ver um documento com foto?
Saulo entregou o passaporte e o gerente verificou rapidamente que era mesmo dele. 
- Tenha a gentileza de me acompanhar disse ele apontado para a lateral do balcão. 
O gerente por aquela exata passagem e logo estava próximo a ele. Conduziu-o para uma porta lateral para uma parte interior do hotel. Nela havia um segurança para quem o gerente apenas disse:
- Código 12. 
- Sim senhor.
Saulo não notou, mas o segurança sacou um rádio e começou a falar com alguém imediatamente. O gerente conduziu Saulo a uma porta, abriu-a e pediu para que entrasse. Era simples, com uma mesa, uma cadeira e uma espécie de banco com acolchoado fino. Tão logo Saulo entrou, o gerente fecho a porta. Saulo ouviu, então, algo estranho: a porta pareceu ser trancada.
Saulo se sentou e esperou. Passados uns quinze minutos, aquela espera começou a se tornar estranha. Ninguém o procurou nesse tempo, ninguém entrou ali... era algo totalmente destoante do clima de prazer e divertimento de Vegas. Resolveu chamar alguém.
Levantou-se e foi até a porta. Testou a maçaneta e, de fato, a porta estava trancada. Ele estava preso!
Só então, notou que a sala onde estava não tinha absolutamente nada além da mesa, cadeira e banco. Não havia nada na mesa, sequer gavetas. Não havia janelas ou mesmo tomadas. O que será que estava acontecendo?
Decidiu tentar algo e bateu na porta, esperando que alguém estivesse do outro lado. Ouviu uma voz do outro lado.
- O que você quer?
- Ehm... banheiro. Preciso ir ao banheiro.
- O sr. fique onde está. Por favor, não comece uma cena.
- Como assim?! Eu quero sair daqui. Preciso ir ao banheiro. Chame um gerente agora.
O silêncio como resposta confirmou seu temor. Por algum motivo ele estava preso. Certamente a polícia havia sido chamada e estava a caminho. Menos mal: assim poderia, com seu parco inglês, tentar saber o que estava acontecendo.
Mas isso não aconteceu por mais de uma hora, estimou ele. Sem relógio ou mesmo celular, a sala era um completo tédio. Alternou o banco com a cedeira, deitando-se algumas vezes, mas realmente ansioso. 
De repente, a porta se abriu, um policial entrou. Com o típico uniforme policial bege claro. A insígnia trazia o sobrenome Silva como identificação. E em um português tipicamente carioca, o policial se dirigiu a Saulo.
- Boa tarde, sr. Pereira. Eu sou o oficial Silva, da Polícia Metropolitana de Las Vegas. Fui chamado para falar com o senhor por ser o único brasileiro na força policial, de modo a conversar com o senhor com mais conforto.
- Bom. Ótimo. Maravilha. E eu posso saber o que diabos está acontecendo?
Oficial Silva expressou um olhar mais preocupado antes de responder, como se escolhesse com cuidado as palavras.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Eu não vi

Eu devia ter algo entre 8 e 10 anos, não tenho certeza mais. Por essa conta, isso aconteceu entre 1982 e 1984, portanto.
Eu frequentava um clube todos os domingos com a família. Jogava bola o dia todo, até ser arrancado de lá. Eu não era particularmente habilidoso, mas sempre fui rápido e resistente como jogador. Depois de um vice-campeonato em um torneio de futebol de salão (isso fica para outro relato), o clube decidiu montar um time infantil de futebol de campo.
Foram marcados alguns treinos onde qualquer garoto até uma certa idade poderia participar. Lá fui eu, empolgado. Afinal, 7 em cada 10 garotos brasileiros diz que quer ser jogador de futebol quando crescer. 
Depois de dois ou três domingos, os fracos haviam desistido. Entre os fortes, haviam os habilidosos e os menos capazes, como em qualquer peneira. Minha capacidade de correr por horas foi se destacando. E como eu não era um completo inepto com as bolas no pé, o técnico Décio me convocou para o time.
Não que eu fosse me tornar um craque (não me tornei) ou tivesse sonhos acima da realidade (não tinha), mas era realmente divertido fazer parte de um time. 
Décio marcou treinos aos domingos, afinal era o dia em que os garotos todos de fato iam para o clube. Não era nada perto de casa, mas não ia alterar a rotina de ninguém na família aquilo. Éramos algo entre 25 e 30 garotos, e eu estava na luta pela vaga na ponta direita do time. O clube forneceria uniformes para os jogos oficiais de um campeonato daí uns meses. Para os treinos, camiseta e shorts por conta de cada um. Nada de mais. Mas como se tratava de futebol de campo, era necessária uma chuteira.
Meu pai, conhecido por segurar despesas, não criou o menor caso com isso. No sábado seguinte, a família toda saiu a pé pelo Itaim até uma loja de material esportivo na r. Joaquim Floriano, a poucos metros da r. João Cachoeira, onde hoje fica uma agência do banco Itaú.
A loja estava cheia, mas não houve qualquer problema de atendimento. Experimentei um modelo da Topper e logo estava satisfeito com a escolha. Na época, não havia essa profusão estúpida de cores e modelos: chuteiras eram pretas, um modelo por fabricante, fim da história.
Levamos o par para o balcão e nesse momento, meu pai ficou estático. Eu não entendi nada, mas tinha alguma coisa a ver com o sujeito que atendia no caixa da loja. Era o dono da loja, pelo que entendi. 
A coisa toda entrou em stasis, e perguntei a minha mãe:
- Mãe, o que está acontecendo com o pai?
- Filho, você não sabe quem é ele, no balão?
- Não, mãe.
- É o Pedro Rocha.
- ...
- Jogador de futebol, filho.
- Ah...
- Jogou no São Paulo, e a loja é dele. Acho que é uruguaio.
- Tá, mas...
- Foi ídolo, entende?
- Eu não lembro dele, mãe.
- Normal, filho. Ele jogou antes de você nascer até você ter uns 4 anos, acho. Não ia lembrar mesmo. Mas teu pai lembra bem, e você sabe o quanto ele é sãopaulino. 
- Sei sim, mãe. 
Meu pai, aos poucos, voltou ao mundo real. O olhar de admiração continuava, mas ele precisava seguir as tarefas do dia. Pagou minha chuteira e fomos embora.

Enfim, eu não vi Pedro Rocha jogar. Dizem que era algo refinado, estiloso, lindo de ver. Dizem que os meias ofensivos de hoje em dia não mereciam sequer amarrar as chuteiras dele. Mas o fato é que Pedro Rocha vendeu minha primeira chuteira, e faz parte da minha história, portanto.
Então, na minha medida, digo:
- Obrigado, Pedro Rocha, por me conduzir ao mundo do futebol. Dencase em paz. (este texto tinha que ser em azul celeste).

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (11)

Diferentemente de quando saiu da pista sabendo que teria a reunião de há pouco, Saulo não saiu dela tão aéreo ou perdido. Agora sabia do que se tratava tudo aquilo.
Claro que era uma decisão complicadíssima. Precisava ler o tal contrato e, provavelmente, chamar algum profissional estranho a ele para ajudar. Precisaria confiar em um estrangeiro desconhecido em outro país, o dele por sinal. Precisaria ligar para pilotos profissionais, que o veriam como futuro concorrente, para pedir ajuda. Aceitar implicava largar tudo que fizera em sua vida profissional até agora, com grandes chances de não ter volta nessa decisão. Havia uma pilha de documentos para providenciar: o visto de turista era algo simples, mas ele duvidava que o visto de trabalho seria a mesma coisa. 
- Céus - falou baixo para si mesmo - Tenho até a Patrícia para pensar...
Terminou o steak e pediu pela conta, apenas para confirmar que o Richard havia pago. Havia.
Com o envelope nas mãos, foi para seu quarto estudar o conteúdo. O contrato se mostrou incompreensível ainda na primeira página. Era um turbilhão de informações jurídicas em inglês. Sequer em português ele entenderia aquilo. O contrato tinha 18 páginas, então não havia sentido algum insistir naquilo. O envelope ainda tinha uma folha com alguns nomes e telefones. Havia 3 empresários e 2 pilotos, ambos brasileiro e um deles bem conhecido. 
Pegou o telefone do quarto, apenas para descobrir que sequer sabia como fazer um ligação externa. Ficou lendo as instruções até achar uma indicação. 
Ligou para o brasileiro menos conhecido, que não atendeu. Ligou para o outro, que também não atendeu. Olhou para os nomes dos empresário, mas concluiu que não conseguiria falar com eles de todo modo.
Fez, então, uma ligação internacional para Patrícia. Essa atendeu, meio chateada por não ter sido lembrada até então. Mas quando Saulo explicou o que estava vivendo, o tom mudou. Patrícia entendeu a ansiedade que Saulo estava vivendo e foi compreensiva. Ouviu tudo que ele tinha para contar, embora ele tenha tentado ser breve. No entanto, quando ele contou do contrato, ela logo percebeu que ele estava considerando aceitar, e isso azedou o tom da conversa. Ela achava um absurdo Saulo largar tudo para correr de carro. Achava que era uma aventura louca e insana. Achava que fazer aquilo era comportamento de um moleque irresponsável.
Saulo não deixava de dar-lhe razão. Ainda assim, era tentador. Não fosse, não havia decisão a tomar, oras. E se havia decisão a tomar, é porque havia vantagens. E por essa linha de raciocínio, Saulo começou a co argumento do tipo "a vida é uma só" e "devemos seguir nossos sonhos". Logo percebeu onde isso levaria.
Levantou-se da cama, pegou a carteira e o passaporte e, então, achou o bilhete daquela loteria. Pensou:
- Bem... vou aproveitar a descida e ver no que deu isso aqui.
Ao chegar a lobby, notou que o corvette não estava mais lá. Mas o cartaz com os números sorteados estava. Seu coração começou a palpitar. 4-6-5-3-9-1. Era seu bilhete. 
O corvette era dele. Não bastava ter uma proposta para virar piloto profissional, ele ia fazer isso dirigindo um corvette. 
Ah, Vegas...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (10)

Precavido, Saulo não quis correr risco algum de não ser encontrado pelo tal Richard. Optou por não sair do quarto sequer para o café da manhã. Tão logo se levantou (acordar não seria um termo adequado na medida em que mal dormiu), pegou o telefone e lutou com seu parco inglês para pedir seu café no quarto. Embora fosse uma opção sempre disponível, isso era pouco usual naquele hotel. Pediu uma opção simples, menos por uma questão de dinheiro e mais por de agilidade.
Comeu em pouco minutos. Depois, ficou acompanhando a estranha programação matutina da televisão americana. Por cerca de 4 horas.
Era quase horário do almoço quando o telefone finalmente tocou. A recepção o chamava, pois um tal Sr. Craig o estava procurando na recepção. Deveria ser o cara. 
Desceu prontamente, esperando encontrar um senhor alto de meia idade, cabelos grisalhos, gordo e chapéu de caubói, ostentando dinheiro em acessórios.  Acertou apenas o último aspecto. O sujeito era pouco mais baixo que ele, atlético e jovem. Deveria ter um olhar sério e firme por trás dos óculos Ray-Ban, que faziam companhia ao relógio, provavelmente Rolex.
Saulo não quis arriscar um mico, e foi à recepção perguntar quem o havia chamado. De fato era aquele rapaz, que imediatamente se aproximou sem sorrir ou tirar os óculos. Estendeu a mão para um aperto firme e breve:
- Sr. Pereira ? perguntou em formal, com fortíssimo sotaque na pronúncia de sobrenome não português. 
- Sim. 
- Muito prazer, Richard Craig. Acompanha-me para um almoço breve ?
- Sim, claro.
- Acompanhe-me, por favor.
Saulo procurou por assessores ou seguranças. Nada. Que tipo de sujeito seria aquele?
Richard caminhou firme pelo saguão do hotel e começou a cruzar o cassino. Do outro lado, havia uma série de restaurantes e ele dirigiu claramente a um deles. Entrou sem perguntar nada e um garçom o esperava em uma mesa. Sentou-se sem esperar por Saulo e pegou seu tablet. Consultou rapidamente algumas informações e o desligou. Só então tirou os óculos e dedicou alguns segundos a escolher suas palavras.
- Sr. Pereira, fui informado de que o senhor não tem um bom domínio do nosso idioma. Correto ?
- Ehm... sim, correto. 
- Falarei devagar, então. Se o senhor não entender algo que eu disser, apenas peça-me para eu repetir.
- Certo.
- Soube que o senhor andou no circuito de Las Vegas há dois dias e deixou ótima impressão.
- Eu estava apenas correndo. Não sabia que era um teste. 
- Não deveria ser. Bem... o passeio não foi, mas a segunda bateria era um teste sim.
- E eu passei ?
Richard mostrou a primeira expressão facial, de leve reprovação.
- Naturalmente, ou eu não estaria aqui.
- Desculpe-me.
- O fato é que eu tenho uma operação na Truck Series. Imagino que o senhor tenha sido informado.
- Brad comentou.
- Ótimo. Estou com dois carros este ano e vou expandir ano que vem. Cheguei a pensar em ir para a Nationwide, mas os custos eram elevados. Mas consegui alguns patrocínios menores para colocar um terceiro carro na pista ano que vem.
- ...
- Enfim, isso não é da sua conta. O que é da sua conta é que terei um carro para 22 corridas da próxima temporada. Quero colocar novatos nesse carro.
- Novatos como eu? 
- Sim.
- Por que mais de um? Por que novatos?
- Quer saber mesmo? Porque a maioria de vocês não sabe a diferença entre correr e pilotar. Mas vai ter a chance de mostrar que sabe.
- Como assim?
- Deixa pra lá. Tenho um contrato aqui para você. Cinco corridas ao longo do ano como titular e outras cinco como reserva imediato. É o mesmo contrato para os outros três caras. Até 31 de julho eu escolho dois de vocês para correr uma sexta prova. 
- Desculpe, não entendi.
- Devagar então. Cinco corrida, ok ?
- Ok.
- Mais cinco como reserva. Backup, substituto.
- São dez ou cinco ? Ainda não entendi.
Richard suspirou, mas manteve a calma.
- Não, são cinco corridas. Isso é o que importa.
- Ok. Cinco corridas.
Ele pegou sua pasta e abriu. Puxou um envelope de dentro e entregou a Saulo.
- É um contrato, tem todos os detalhes, inclusive pagamento. Estou oferecendo 5 mil dólares por corrida e parte dos prêmios que conseguir. É um valor justo para um novato, pode checar com quem quiser. Passagens e estadias por nossa conta. Você tem direito a espaço no macacão se conseguir algum patrocinador. 
- Richard...
- Sr. Craig. 
- Desculpe. Sr.Craig, eu não entendo nada de contratos. E meu inglês é horrível.
- Notei. Arrume um agente que fale sua língua. 
- Como?! Não conheço ninguém aqui...
Richard veio preparado para esta pegunta. 
- No envelope tem um folha com contatos de alguns pilotos latinos por aqui. Acho que tem 2 ou 3 brasileiros, peça a ajuda deles. 
- E eles vão me ajudar?
- Se eu estivesse no lugar deles, não ajudaria. 
Saulo se surpreendeu com a honestidade, mas o momento foi quebrado pelo garçom que trazia apenas um prato. Colocou na frente de Saulo, que subitamente percebeu que não havia pedido nada.
- Aproveite, Sr. Pereira, hoje é por minha conta.
Saulo olhou para o steak, o purê e a salada. Pareciam apetitosos, admitiu. 
- Sr. Craig, eu não tenho visto de trabalho. Na verdade, estou aqui de férias.
- Sei disso tudo. Mas essa papelada pode ser providenciada. Por isso o senhor precisa de um agente.
- Mas... e meu trabalho em casa? Eu tenho um emprego lá...
- Ok. Decline da oferta e volte para ele. Tenho gente procurando pilotos no país inteiro neste momento. Certamente acharia alguém para o seu lugar.
- Eu preciso pensar. disse ele baixando os olhos para o prato.
- Naturalmente. - disse Richard começando a se levantar. 
- Se o senhor me der licença, não almoçarei com o senhor, tenho outros negócios. A oferta vale por três dias. Tome sua decisão. Se não quiser, nem precisa entrar em contato.
- Onde posso encontrá-lo? O senhor está aqui no Luxor?
Richard olhou em volta, com desprezo no olhar. Voltou-se para Saulo.
- Aqui? De modo algum. Bellagio. No envelope há instruções de como o senhor pode me encontrar. 
- ...
- Mais alguma pergunta? - disse ele começando a se afastar.
- Ah... sim! Uma.
-...
- E a temporada inteira?
- O que tem ela?
- O que eu teria que fazer para ter o carro pelo ano todo?
- Pagar por ele.
- Quanto?
- Mais do que você tem. Tenha um bom dia, sr. Pereira.
Saulo ficou olhando para o prato por alguns minutos antes de lembrar de comê-lo. 
Richard afastou-se na direção do saguão rumo à saída principal, para pegar um taxi. Passou por uma aglomeração irritante. Não prestou atenção alguma, mas era algo relacionado a um corvette.