quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Vou tentar explicar

O assunto veio a baila hoje cedo, com um colega. Dedico o post a ele, anonimamente (não perguntei se ele aceitaria ser citado, então melhor não criar um caso desnecessário).

Vou fazer aqui algumas contas, mas vou simplificar ao máximo o cenário, ok? Seguem as premissas:
- não existe inflação
- salário fixo, permanente
- não existe desemprego, ainda que momentâneo
- não existe nenhum tipo de previdência disponível
- não existem investimentos ou mesmo bancos.
- não existe 13o.
Então o sujeito, que chamarei de Alfredo, olha para o cenário acima e pensa: "Puxa vida, eu não quero morrer trabalhando. Então vou guardar uma grana todo mês embaixo do colchão.". E assim ele faz, metodicamente. Desde seu primeiro emprego, aos 18 anos de idade.
Alfredo ganha 100 dinheiros por mês, e decide guardar 20%, ou seja, 20. Ao final de 1 ano, Alfredo conta o dinheiro guardado: 240. "Está dando certo." ele pensa. Ao final de 10 anos, já aos 28, Alfredo já tem 2.400 dinheiros. Quando completa 53 anos, Alfredo economizou por 35 anos e soma a impressionante quantia de 8.400 dinheiros.
Alfredo, então, decide parar de trabalhar. Ele se despede do patrão e dos colegas. Agora pode pescar sossegado, com o mesmo padrão de vida por 84 meses, ou 7 anos. E um belo dia, Alfredo completa 60 anos. O dinheiro acabou exatamente nesse mês. Alfredo se pergunta: "Mas o que eu fiz de errado ?". "Eu guardei direitinho, e depois de me aposentar nunca, gastei mais do que podia !"
É verdade, Alfredo. Você seguiu a regra direitinho. Nunca deixou de guardar o que precisava, gastou com moderação e a está na miséria agora. O problema, Alfredo, não foi como você seguiu a regra, foi a regra em si! Se Alfredo tivesse morrido aos 58 anos, teriam sobrado 480 dinheiros guardados. Mas se ele morrer apenas aos 62, faltam os mesmos 480. Como faz,então?

Bem... o leitor mais atento já percebeu que estou fazendo uma analogia à Reforma da Previdência. Hoje, cada um de nós contribui com cerca de 20% do que ganha com o INSS, somando-se aí as parcelas descontada em folha e a do empregador. Não tem outra conta, meu querido Alfredo: se você guarda 1/5 do que ganha, para cada 5 anos trabalhados você só pode se aposentar por 1. É a conta do padeiro, não adianta reclamar da corrupção (que existe), do desvio (que existe), da má gestão (que existe): o problema vem muito antes disso tudo: a regra de aposentadoria por tempo está, e sempre esteve, errada. Tanto é verdade que só é adotada em 2 países do mundo: Brasil e Iraque. Desculpe, amigo Alfredo: mentiram para você lá no passado. Não me culpe por isso, estou chegando agora.
"Ah" - diz o Alfredo revoltado - "mas eu paguei a vida toda! Isso não é justo!". Dado que você confiou na regra, entendo sua revolta, Alfredo. Mas mentiram para você lá atrás. Resolver o problema de corrupção e má gestão não muda o fato de que a regra foi um erro grotesco de cálculo.

E o que fazer?

Antes que essa bagaça exploda, é preciso consertar. A conta tem que ser por expectativa de vida, aquilo que os técnicos chamam de cálculo autarial. A função do INSS é juntar todos os Alfredos do Brasil e cuidar para que todos recebam suas aposentadorias até o fim de suas vidas. Quando juntamos todos, vendo o exemplo acima, o Alfredo que morre aos 58 anos compensa o que morre aos 62. Mas quando cada vez menos Alfredos morrem aos 58 e cada vez mais morrem aos 62, falta dinheiro. E é exatamente esse o fenômeno que está sendo alertado há não menos de 20 anos: é preciso mudar a regra da previdência. Então, os Alfredos precisam trabalhar, digamos, mais 2 meses para ajustar a conta. Ou 4, 6... Isso vai mudando com o tempo, e sempre para mais. É tão inevitável quanto nascer do Sol (e se for evitado é o mesmo nível de apocalipse). E vale citar que, quando o INSS foi criado, os Alfredos morriam aos 58 anos, e hoje já chegam, na média, aos 76. São 18 anos de diferença, e nada indica que esse número vá parar de crescer. Os Alfredos japoneses, por exemplo, morrem aos 86 anos. 

E para que serve o INSS?
Serve para diversas coisas, muitas das quais envolvem as bizarras hipóteses inciais deste post. A começar que ele é o sistema de aposentadoria.
Primeiramente, o INSS faz o básico: arrecada e paga.
Segundamente, o INSS cuida do dinheiro arrecadado porque a tal inflação existe sim, e dói.
Terceiramente, o INSS dá um tapa no cenário quando você fica desempregado. Com a regra por idade, isso não afeta a data na qual cada Alfredo finalmente vai pescar.
Quartamente, como já dito, o INSS define essa linha de corte na qual os Alfredos todos vão, na média, gastar o que contribuíram durante suas vidas profissionais. 

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