quarta-feira, 28 de junho de 2017

A Garota do Colegial

Você e ela estudavam juntos por todo 2o Grau (hoje "Ensino Médio), mas ainda era o usado o termo "Colegial". Era uma moça inquestionavelmente bonita, embora não fosse a musa da turma. Mas também era um pouco diferente das outras.
Ela tinha um lado artístico pulsante. Para adolescentes, gostar de museus e de artes plásticas era, por assim dizer, incomum. Aos assuntos usuais das garotas, como galãs, novelas e sapatos, ela dava a atenção mínima para não ter terminantemente excluída das rodas de conversa. E você, um cara comum, que acompanhava futebol e ainda lia quadrinhos escondido, ela era quase que de uma casta cultural superior.
Ainda assim, ela nunca foi arrogante por ser diferente e eventualmente vocês se aproximaram no final do último ano. E acabaram tendo um namoro rápido entre a viagem formatura e o baile, no qual entraram juntos até. Era aquela paixão intensa, rápida e sincera. 

Mas a vida rapidamente acabou por separá-la de você. Ela acabou, que surpresa!, indo cursar faculdade de artes plásticas em outra cidade, e você ficou por aqui mesmo. Foi triste, vocês sentiriam a falta um do outro. Mas, verdade seja dita, era um namoro de 3 semanas. E você se encarregou de superar isso.
Como superou as dificuldade da faculdade, do estágio, dos namoros que vieram e foram, dos empregos, do casamento e do divórcio. Coisa da vida.
E foi em um dia improvável, em um shopping, que você a viu novamente. Sua cabeça foi até Marte e voltou em um instante. Todas os sentimentos e percepções inundaram simultaneamente sua mente. Era ela, e ela te reconheceu.
Os anos lhe deram alguns quilos, rugas e os primeiros cabelos brancos. Mas você tinha noção de que não era um galã de cinema: ganhou peso, perdeu cabelo e usava óculos agora. Ato contínuo, você sorri.
Ela sorri de volta e vocês se falam. Isso nunca mudou em 25 anos: era o mesmo sorriso. Pequeno, com as covinhas de sempre, com a cabeça levemente inclinada valorizando as maçãs do rosto. Ato contínuo, você se apaixona novamente.
Celular, face, whatzapp: hoje em dia, o processo de encontrar alguém envolve isso. A conversa é curta, ela tem um compromisso. Mas o contato está restabelecido. E o mais importante: ela sorriu como antes.

Quando vocês começam a se encontrar, a paixão explode logo na primeira noite. Mas algo está fora do lugar, você não sabe muito bem o que. Nos próximos encontros, começa a entender. Ela está diferente. Não tem mais tanto respeito, ou pelo menos tolerância, pelo mundo que você vive. Ela não assiste tv, não sabe das séries que você acompanham e vai ao cinema apenas em festivais alternativos. Você genuinamente tenta ir, tenta participar, mas é muito "fora da caixa". Ela não simpatiza com seus amigos, nem você com os dela. Ainda há respeito, mas fica difícil encontrar pontos em comum.
Um dia ela conta que usa drogas. Você se preocupa com vício, mas ela garante que é eventual. "Deve ser verdade", você reconhece. A relação estremece mais. Ela te convida para uma vernissage, mas é na hora do almoço. Você a convida para jantar, mas ela não pode. 
E um belo dia ela não atende o celular mais. Você vai visitá-la de surpresa, ela está com outra pessoa no apartamento e não te deixa subir. Acabou, claramente. Ela sequer se deu ao trabalho de conversar antes, apenas te deixou para trás e seguiu em frente. 
Sim, você vai superar. Já passou coisa muito pior. Apenas não quer mais saber dela, uma raiva natural e comum. Pega o celular e remove a amizade do face. Apaga o contato. Vida que segue.

Desculpem o textão, mas é assim que me sinto com Twin Peaks depois de metade do 8o episódio. Não vou seguir, não tenho nenhum interesse mais. Vou apenas tentar me manter no mistério noventista a cerca de Laura Palmer, curiosamente, uma garota do colegial. 
David Lynch morreu, só não sabe ainda.

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