segunda-feira, 29 de junho de 2015

Presente de Grego

Ok, com o anúncio feito ontem de feriado bancário de 1 semana (!) na Grécia, torna-se necessário dizer o óbvio: a Grécia foi pro vinagre. Então vamos falar um pouco sobre o que acontece lá.
  • Causas
A Grécia gastou o que não tinha e agora não tem como pagar o que gastou. Simples assim. Sou um radical opositor do conceito de se permitir governos contraírem déficit público. Entendo que isso possa acontecer momentaneamente, por uma queda de arrecadação de tributos, mas vejo isso como um cheque especial do banco: você usa para fazer um ajuste rápido e só.
O que me deixa curioso na parte da origem do problema é que contas nacionais são grandes demais para ficarem camufladas. Então foi permitido à Grécia fazer o que fez. Foi permitido por agentes internos, por outros governos, por bancos e pelos seus cidadãos eleitores, que foram mantando os governos onde estavam, sem nenhuma mudança radical de rumo, exceto uma no começo do ano, sobre a qual falarei em seguida.
Agora há uma fatura vencida de 1,6 bilhão de euros, tendo o governo menos de 100 milhões em caixa. Desta vez, os governos de outros países participantes do bloco do Euro não querem rolar a dívida, com quem diz: "Chega disso, criança. Comporte-se ou vai ficar sem mesada". Tratas-se mais de uma questão de comportamento fiscal do que de dinheiro, já que esse montante pode facilmente ser coberto por diversos agentes financeiros sozinhos. 


  • Consequências
A fatura chegou e agora alguém tem que pagar. Mas não estou narrando 2015 aqui, mas 2013, 2011 ou mesmo 2008. O governo grego precisava cortar severamente as despesas para fazer as contas, ao menos, entrarem o eixo. Se você acha dolorido o ajuste brasileiro, o grego foi muito, mas muito pior. Houve corte de pessoal e redução (não achei o valor, mas lembro-me vagamente de algo como 40%) nas pensões, aumento de impostos sobre diversos setores e por aí vai.
O povo foi às ruas protestar. E protestou. E o ajuste jogou o país em recessão, como esperado, que perdurou. O povo foi às urnas e nelas protestou novamente. Desta vez, escolheram um governo de esquerda radical e aí pavimentada a estrada para o desastre: sua plataforma era não aceitar mais ajustes fiscais.
Simplesmente não faz sentido, aliás como nada que a esquerda fala faz. Entende-se e se compadece da dor do cidadão grego que nada fez errado, talvez até tendo votado em candidatos derrotados, mas pela irresponsabilidade de seu governo, vê-se atolado em uma crise financeira, sem pensão, sem dinheiro, sem nada. Mas recusar-se a pagar a dívida nacional simplesmente não resolve problema algum, como eles estão a ponto de descobrir. 
  • Novas Medidas
Para pagar essa conta, o governo precisa abandonar o Euro adotar uma nova moeda. Pessoalmente não vejo outro jeito. Tendo controle sobre sua nova base monetária, o governo pode emitir moeda, o que não pode fazer com o Euro, e com ela pagar as dúvidas. Mas não existe almoço grátis, e uma operação que dobrasse o meio circulante do país, grosso modo, contrata uma inflação de 100% em poucos meses, para não dizer semanas. Daí inicia-se o ciclo de negociações salariais, e cada aumento come um pedaço do que o governo conseguiu para saldar as dívidas e novo ciclo inflacionário fica alimentado. Essa é a origem da estranha, mas correta, afirmação de que salário gera inflação. Não que realmente a gere, mas a perpetua. O que na realidade acontece é que a inflação é um boleto bancário para cada cidadão pagar uma parcela do déficit nacional. E cada cidadão que consegue um aumento salarial esquiva-se, naquele momento, de pagar sua cota e o problema permanece até alguém por ordem na casa. Nada que não tenhamos visto aqui nos anos 80 e 90. E doía, né ?
Curiosamente, ou não, há um plebiscito marcado na Grécia para o próximo domingo sobre a permanência ou não na zona do Euro. Fico aqui imaginando, rindo da armadilha lógica e populista desse plebiscito: se o povo votar pela continuidade, o governo grego fica oficialmente insolvente e não tenho ideia do que isso acarretaria. Os bancos vão executar as dívidas, sei lá, penhorando prédios públicos? Ou o mais simples, acontece um calote generalizado e azar de quem tinha títulos gregos na carteira (pessoalmente, não fico com muita pena de quem financiou esse furdúncio fiscal, mas enfim...). Vale observar que o calote, como visto em diversos casos anteriores, contamina os ativos de praticamente qualquer instituição financeira do mundo, em maior ou menor grau.
  • E se sair ?
Expliquei o lado grego da desgraça, que perduraria sem surpresa por alguns anos, para não dizer décadas. Mas a Zona do Euro teria suas conseqüência que, confesso, falho em entender as causas. 
Imaginemos se o Maranhão ou Amazonas deixasse a Zona do Real: qual o impacto real na economia do Paraná ? Honestamente, nenhum. A Grécia detém 1,35% do PIB da Zona do Euro. Dados aqui (e que site !!!) e aqui, equivalente a algo entre o que os referidos estados brasileiros. Notem que não se trata de "vaporizar" a economia da Grécia, ou do Maranhão ou Amazonas: eles apenas deixariam de usar a mesma moeda. Nada impediria uma empresa de São Paulo vender para uma empresa no Maranhão que usasse uma moeda local chamada, digamos, sarneys (S$). O mesmo se a Grécia adotar a Nova Dracma: os gregos continuariam a pode comprar BMWs alemãs. 
Então não entendo, de verdade, as previsões apocalípticas sobre a Zona do Euro por causa dos gregos e suas tragédias. Alguns dizem que haveria corrida bancária na direção norte, fugindo-se de bancos de países potencialmente mais vulneráveis, mas isso nada mais é do que os problemas deles mesmos afugentando as divisas. Não culpemos a Grécia por erros similares, embora menores, cometidos por lusos, espanhóis, irlandeses e italianos.

A conferir.

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