segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Fim do Primeiro Tempo

O amigo leitor que chegou agora a este assunto pode ver o início de tudo aqui. Em resumo, para o caso da preguiça ter impedido alguém de clickar, estou em um projeto para ficar uma semana sem reclamar. Cheguei mais ou menos à metade do projeto.
Notei, apenas depois do primeiro dia, uma coisa bastante curiosa. Por óbvio que seja, quando uma pessoa está sob restrição de algum tipo, uma das primeiras ações a serem tomadas é definir com clareza o objeto da restrição. 
Se você está em um cenário em que não pode tomar bebidas alcoólicas, é bastante simples definir o que deve ficar de fora. Se você está em restrição de açúcar, basta não comer doces. Se você está preso, então não pode sair de determinado local (no caso, um presídio) por motivo algum. Isso é simples.
Mas se você está em um regime de restrição calórica, surge uma parte da ignorância. O que é proibido comer, então, ou quanto pode? Já não é tão óbvio, certo? Ou então, se você deve "ser educado e gentil o tempo todo", precisa dar bom dia para 14 pessoas que pegaram o mesmo elevador que você? Pode ser um "bom dia" coletivo ou precisa ser individual? O amigo leitor percebe a sutileza?

No caso do meu desafio, o que é reclamar? Já no primeiro post pude pincelar sobre a dúvida no exemplo do restaurante. Mas quando se está 24 horas por dia no cenário de "no complain", é crítico saber exatamente o que é uma reclamação e o que não é. O que é, deve ser filtrado e morrer ainda na esfera dos pensamentos, sem ser externalizado. É preciso definir o que posso falar e o que não posso. A regra tem que ser clara.
Depois de gastar algum ATP, cheguei à uma definição informal. Para todos os fins, usarei os termos "reclamar" e "queixar-se", sem nenhuma intenção de criar uma norma ABNT para isso. Ambos os termos, reclamar e queixar-se, começam da mesma maneira: é o ato de uma pessoa falar negativamente de um objeto, situação, pessoa ou fato ocorrido. Porém, queixar-se é quando esse ato é feito em condições de resolver o problema. Reclamar é quando esse ato não tem como produzir qualquer efeito prático. 
Pois vejamos exemplos:
- cliente chama o garçom e indica que o prato veio errado: queixa.
- casal conversa entre si sobre o fato do prato ter vindo trocado, já a caminho de casa: reclamação.
- motorista pede passagem para outro que está parado em fila dupla: queixa.
- motorista comenta o quanto o trânsito estava ruim: reclamação.
- pessoa pede para outra reduzir o volume do televisão está incomodando: queixa.
- pessoa comenta o quanto o volume estava alto: reclamação.
Não posso afirmar que seja uma boa definição, mas está me servindo bem desde que a formulei no sábado. Mas o fato é que, com isso, passa a existir um filtro mental novo entre cérebro e língua, e esse filtro permite a passagem de queixas, mas não de reclamações. Isso porque as reclamações parecem nascer por geração espontânea... E como sou novo na utilização do filtro, ele ainda demora perceptivelmente para funcionar. Em resumo, estou conversando mais devagar. 

A segunda coisa que aconteceu foi uma percepção da quantidade de reclamações que vem à minha mente em fluxo usual. (Se eu usasse termos como "o amigo leitor não imagina como isso é difícil separar" seria uma reclamação). Suponho sem base alguma que isso também aconteça ao amigo leitor. Filtrar as reclamações de modo a que a conversa fiquem sem elas ajuda a perceber esse tipo de coisa. Depois de um tempo, comecei a notar o quanto os diálogos, mesmo mais lentos, são mais produtivos. Muito mais produtivos.
Daí, vi vantagem sim. Acho que nós, humanos, usamos uma técnica de comunicação por palavras conceituais que fica muito aquém de nossa capacidade de pensar. Melhorar a comunicação é remover uma parte desse limitador. O mundo pode se tornar um lugar mais racional, melhor. Pelo menos um pouco.
Estou gostando do resultado. 

Isso não significa que não falhei. Sim, eu reclamei, particularmente no sábado, quando tive um contratempo meio sério. Grande coisa ter tido o contratempo: ele provocou uma decisão minha, ok, mas ficar falando, ainda que por apenas 3 minutos até eu notar que estava reclamando, não produziu nada novo ou melhor sobre o contratempo, suas consequências e minha decisões sobre isso. Não fica muito mais "reclamação" do que isso.
Então errei. Não foi só essa, narrei apenas a mais marcante.

Vivendo, aprendendo e melhorando.

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