quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O Timor Leste e a ANVISA

Escolhi a simpática e jovem nação de Timor Leste para este meu texto, mas poderia ser qualquer país de dimensões populacionais e econômicas diminutas. Não quero aqui diminuir a importância deste país, nem fazer qualquer tipo de pilhéria. Mas convenhamos que a população total de pouco mais de 1mi de habitantes. Menos que Campinas.
No entanto, imagino que entre os timorenses (não tenho certeza se esse é o adjeto gentílico correto) deve ter algum portador de uma forma muito rara de câncer, de alguma disfunção fisiológica ou outra dessas esquisitice que aquele tal de deus não cura com orações. Na verdade, deve ter um bom par de gente assim por lá. Assim como cá, guardadas as proporções de população. 
Daí, percebe-se que há uma enorme lista de doenças raras a que qualquer grupo populacional pode ser vítima. Essa lista é sempre mesma, pois somos todos (dizem os humanistas) da mesma espécie. Então cada país precisa ter acesso a todos os medicamentos possíveis para se combater todas essas doenças. 
O leitor já deve estar conectando o distante Timor Leste com a ANVISA...
O que eu gostaria de questionar aqui é o registro dessas medicações. A estrutura necessária para se registrar, catalogar, verificar, arquivar documentação, estudar pesquisas e analisar propostas de registro tem relação direta com a quantidade de medicamentos existente e nenhuma relação com a população do país. Assim, o departamento de registros da ANVISA, o primo-pobre do Timor Leste e enorme DEA (Drugs Enforcement Agency) norte-americano acabariam tendo exatamente o mesmo tamanho. E para fazer exatamente o mesmo trabalho, que por sinal já foi feito !
Afinal de contas, para que usamos dinheiro público no Brasil, em Uganda na Nicarágua e no Timor Leste para todo esse processo de registro de medicações que os nossos primos ricos do DEA já fizeram ? Que usemos os registros deles, oras. O que é bom para eles também é bom para nós. 
Daí podemos usar a ANVISA para sua outra função, esta sim proporcional ao território e à polução: a fiscalização sanitária de qualquer estabelecimento que possa envolver a saúde das pessoas, incluindo hospitais, clínicas, laboratórios, postos de saúde, ambulâncias, restaurantes, bares, lanchonetes, supermercados e o que mais for. 
Estou errado onde ? Ao desmontar o cabide de empregos ?
Sim, estou revoltado com a ANVISA pela notícia a aqui, aqui e aqui sobre reitarada recusa da ANVISA em acatar o pedido de registro do Revlimid, droga de penúltima (sim, já tem algo ainda melhor !) geração no combate a um tipo de câncer na medula óssea. Vale lembrar que o ele tem registro em 80 países.
Ah, tá. Eles estão todos errados e só nós é que sabemos proteger nossa população dos malefícios da farmacologia contemporânea.

3 comentários:

  1. Não vou entrar no mérito da recusa em registrar o medicamento. Eu teria que ler o estudo feito pela ANVISA para justificar.

    Quanto à razão de ser da ANVISA, tem dois motivos óbvios ululantes para ela existir separada, por exemplo, da DEA:

    1) Esse tipo de coisa é igual à moeda (do the math). Pedir para o governo fechar a ANVISA e terceirizar o trabalho do DEA é o mesmo que pedir à Inglaterra para abrir mão da sua moeda e usar o Euro.
    Sendo que a Inglaterra tem menos motivos do que o nosso governo para a recusa deles...

    2) O registro da ANVISA não é o mesmo que o do DEA pelo simples fato de que os medicamentos disponíveis lá NÃO SÃO OS MESMOS daqui. Muita coisa que a DEA escolheu proibir a ANVISA libera, e com diversos estudos dizendo que o medicamento é bom e que a DEA está errada.
    Mas aí você pergunta porque a DEA proibiria algo que comprovadamente faz bem. E eu respondo: política.
    Exemplo: as melhores vacinas contra febre aftosa são brasileiras. O DEA não liberou a absoluta maioria deles dizendo que "não existe febre aftosa nos EUA", quando na verdade o que eles não querem é pagar royalties (fica a dica: segundo minha ex, um surto de febre aftosa hoje mataria 85% da população bovina norte-americana porque ao contrário do nosso gado, eles não tem imunidade. E tudo o que você precisa para isso é uma vaca doente e um lenço).

    Resumo: A ANVISA existe para proteger os interesses do Brasil, não para vistoriar medicamento. E defender os interesses do Brasil não é o mesmo que defender os interesses dos doentes. E nos últimos tempos, raramente é o mesmo que defender os interesses do povo...

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  2. 1) Apenas para esclarecer, eu reconheço a importância da fiscalização feita pela ANVISA. Estou apenas enfurecido com a área de registros que, não é a primeira vez, deixa de aceitar medicações usadas em vários outros lugares.
    2) Sobre diferenças de registros cá e lá, pergunto: qual agência ou quais agentes são mais suscetíveis a propina, hein ?
    Agora sobre a diferença entre defender interesses do Brasil e defender interesses dos doentes, deveria ser a mesma coisa. E justo por não ser que eu não gosto, não aceito e não tolero esse tipo de atitude da ANVISA.

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  3. 1) Bom, então pensa no caso da Dipirona. O DEA alega que os quadros alérgicos da Dipirona são gravíssimos, e de fato são, por isso proíbe. A ANVISA mostra que, do ponto de vista epidemiológico/estatístico, o risco da reação alérgica não é grande o suficiente para justificar proibir um medicamento que é, apesar de tudo, muito bom.

    O argumento da ANVISA é muito bom, mas já parou para pensar que além dos States, praticamente nenhum país europeu tem a Dipirona liberada? Aí eu pergunto: se o argumento é bom, e cientificamente comprovado, por que raios eles proíbem? E a resposta é o Paracetamol...

    2) Olha, do meu ponto de vista, igual. Na verdade, o DEA é menos propenso a aceitar propina, mas é mais propenso a tomar decisões políticas e não médicas que a ANVISA (já teve processo contra o DEA por conta disso) logo fica elas por elas.

    Idealmente, os interesses do Brasil e dos doentes deveria ser igual. Na prática, e mesmo se considerarmos que se está fazendo o justo (o que nem sempre é o caso) o interesse dos doentes pode não ser o interesse do Brasil simplesmente por eles serem uma minoria. Não é legal, eu sei, mas é sempre bom lembrar que a democracia tem defeitos.

    O que ocorre neste caso do medicamento do câncer deve ter a ver com royalties, e com o fato de que o medicamento teria que ser disponibilizado via SUS em caso de liberação. Mas como eu disse antes, não posso responder nada sem ver as justificativas. Bem ou mal, o Brasil é praticamente único em termos de bioma (incluindo seres microscópicos) e clima, pode ser que a ANVISA tenha motivos bons de fato para proibir.

    Obviamente isso tudo se resolveria se eles fossem só mais transparentes.

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