segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A Chance de uma Vida (10)

Precavido, Saulo não quis correr risco algum de não ser encontrado pelo tal Richard. Optou por não sair do quarto sequer para o café da manhã. Tão logo se levantou (acordar não seria um termo adequado na medida em que mal dormiu), pegou o telefone e lutou com seu parco inglês para pedir seu café no quarto. Embora fosse uma opção sempre disponível, isso era pouco usual naquele hotel. Pediu uma opção simples, menos por uma questão de dinheiro e mais por de agilidade.
Comeu em pouco minutos. Depois, ficou acompanhando a estranha programação matutina da televisão americana. Por cerca de 4 horas.
Era quase horário do almoço quando o telefone finalmente tocou. A recepção o chamava, pois um tal Sr. Craig o estava procurando na recepção. Deveria ser o cara. 
Desceu prontamente, esperando encontrar um senhor alto de meia idade, cabelos grisalhos, gordo e chapéu de caubói, ostentando dinheiro em acessórios.  Acertou apenas o último aspecto. O sujeito era pouco mais baixo que ele, atlético e jovem. Deveria ter um olhar sério e firme por trás dos óculos Ray-Ban, que faziam companhia ao relógio, provavelmente Rolex.
Saulo não quis arriscar um mico, e foi à recepção perguntar quem o havia chamado. De fato era aquele rapaz, que imediatamente se aproximou sem sorrir ou tirar os óculos. Estendeu a mão para um aperto firme e breve:
- Sr. Pereira ? perguntou em formal, com fortíssimo sotaque na pronúncia de sobrenome não português. 
- Sim. 
- Muito prazer, Richard Craig. Acompanha-me para um almoço breve ?
- Sim, claro.
- Acompanhe-me, por favor.
Saulo procurou por assessores ou seguranças. Nada. Que tipo de sujeito seria aquele?
Richard caminhou firme pelo saguão do hotel e começou a cruzar o cassino. Do outro lado, havia uma série de restaurantes e ele dirigiu claramente a um deles. Entrou sem perguntar nada e um garçom o esperava em uma mesa. Sentou-se sem esperar por Saulo e pegou seu tablet. Consultou rapidamente algumas informações e o desligou. Só então tirou os óculos e dedicou alguns segundos a escolher suas palavras.
- Sr. Pereira, fui informado de que o senhor não tem um bom domínio do nosso idioma. Correto ?
- Ehm... sim, correto. 
- Falarei devagar, então. Se o senhor não entender algo que eu disser, apenas peça-me para eu repetir.
- Certo.
- Soube que o senhor andou no circuito de Las Vegas há dois dias e deixou ótima impressão.
- Eu estava apenas correndo. Não sabia que era um teste. 
- Não deveria ser. Bem... o passeio não foi, mas a segunda bateria era um teste sim.
- E eu passei ?
Richard mostrou a primeira expressão facial, de leve reprovação.
- Naturalmente, ou eu não estaria aqui.
- Desculpe-me.
- O fato é que eu tenho uma operação na Truck Series. Imagino que o senhor tenha sido informado.
- Brad comentou.
- Ótimo. Estou com dois carros este ano e vou expandir ano que vem. Cheguei a pensar em ir para a Nationwide, mas os custos eram elevados. Mas consegui alguns patrocínios menores para colocar um terceiro carro na pista ano que vem.
- ...
- Enfim, isso não é da sua conta. O que é da sua conta é que terei um carro para 22 corridas da próxima temporada. Quero colocar novatos nesse carro.
- Novatos como eu? 
- Sim.
- Por que mais de um? Por que novatos?
- Quer saber mesmo? Porque a maioria de vocês não sabe a diferença entre correr e pilotar. Mas vai ter a chance de mostrar que sabe.
- Como assim?
- Deixa pra lá. Tenho um contrato aqui para você. Cinco corridas ao longo do ano como titular e outras cinco como reserva imediato. É o mesmo contrato para os outros três caras. Até 31 de julho eu escolho dois de vocês para correr uma sexta prova. 
- Desculpe, não entendi.
- Devagar então. Cinco corrida, ok ?
- Ok.
- Mais cinco como reserva. Backup, substituto.
- São dez ou cinco ? Ainda não entendi.
Richard suspirou, mas manteve a calma.
- Não, são cinco corridas. Isso é o que importa.
- Ok. Cinco corridas.
Ele pegou sua pasta e abriu. Puxou um envelope de dentro e entregou a Saulo.
- É um contrato, tem todos os detalhes, inclusive pagamento. Estou oferecendo 5 mil dólares por corrida e parte dos prêmios que conseguir. É um valor justo para um novato, pode checar com quem quiser. Passagens e estadias por nossa conta. Você tem direito a espaço no macacão se conseguir algum patrocinador. 
- Richard...
- Sr. Craig. 
- Desculpe. Sr.Craig, eu não entendo nada de contratos. E meu inglês é horrível.
- Notei. Arrume um agente que fale sua língua. 
- Como?! Não conheço ninguém aqui...
Richard veio preparado para esta pegunta. 
- No envelope tem um folha com contatos de alguns pilotos latinos por aqui. Acho que tem 2 ou 3 brasileiros, peça a ajuda deles. 
- E eles vão me ajudar?
- Se eu estivesse no lugar deles, não ajudaria. 
Saulo se surpreendeu com a honestidade, mas o momento foi quebrado pelo garçom que trazia apenas um prato. Colocou na frente de Saulo, que subitamente percebeu que não havia pedido nada.
- Aproveite, Sr. Pereira, hoje é por minha conta.
Saulo olhou para o steak, o purê e a salada. Pareciam apetitosos, admitiu. 
- Sr. Craig, eu não tenho visto de trabalho. Na verdade, estou aqui de férias.
- Sei disso tudo. Mas essa papelada pode ser providenciada. Por isso o senhor precisa de um agente.
- Mas... e meu trabalho em casa? Eu tenho um emprego lá...
- Ok. Decline da oferta e volte para ele. Tenho gente procurando pilotos no país inteiro neste momento. Certamente acharia alguém para o seu lugar.
- Eu preciso pensar. disse ele baixando os olhos para o prato.
- Naturalmente. - disse Richard começando a se levantar. 
- Se o senhor me der licença, não almoçarei com o senhor, tenho outros negócios. A oferta vale por três dias. Tome sua decisão. Se não quiser, nem precisa entrar em contato.
- Onde posso encontrá-lo? O senhor está aqui no Luxor?
Richard olhou em volta, com desprezo no olhar. Voltou-se para Saulo.
- Aqui? De modo algum. Bellagio. No envelope há instruções de como o senhor pode me encontrar. 
- ...
- Mais alguma pergunta? - disse ele começando a se afastar.
- Ah... sim! Uma.
-...
- E a temporada inteira?
- O que tem ela?
- O que eu teria que fazer para ter o carro pelo ano todo?
- Pagar por ele.
- Quanto?
- Mais do que você tem. Tenha um bom dia, sr. Pereira.
Saulo ficou olhando para o prato por alguns minutos antes de lembrar de comê-lo. 
Richard afastou-se na direção do saguão rumo à saída principal, para pegar um taxi. Passou por uma aglomeração irritante. Não prestou atenção alguma, mas era algo relacionado a um corvette.

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