quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Eu não vi

Eu devia ter algo entre 8 e 10 anos, não tenho certeza mais. Por essa conta, isso aconteceu entre 1982 e 1984, portanto.
Eu frequentava um clube todos os domingos com a família. Jogava bola o dia todo, até ser arrancado de lá. Eu não era particularmente habilidoso, mas sempre fui rápido e resistente como jogador. Depois de um vice-campeonato em um torneio de futebol de salão (isso fica para outro relato), o clube decidiu montar um time infantil de futebol de campo.
Foram marcados alguns treinos onde qualquer garoto até uma certa idade poderia participar. Lá fui eu, empolgado. Afinal, 7 em cada 10 garotos brasileiros diz que quer ser jogador de futebol quando crescer. 
Depois de dois ou três domingos, os fracos haviam desistido. Entre os fortes, haviam os habilidosos e os menos capazes, como em qualquer peneira. Minha capacidade de correr por horas foi se destacando. E como eu não era um completo inepto com as bolas no pé, o técnico Décio me convocou para o time.
Não que eu fosse me tornar um craque (não me tornei) ou tivesse sonhos acima da realidade (não tinha), mas era realmente divertido fazer parte de um time. 
Décio marcou treinos aos domingos, afinal era o dia em que os garotos todos de fato iam para o clube. Não era nada perto de casa, mas não ia alterar a rotina de ninguém na família aquilo. Éramos algo entre 25 e 30 garotos, e eu estava na luta pela vaga na ponta direita do time. O clube forneceria uniformes para os jogos oficiais de um campeonato daí uns meses. Para os treinos, camiseta e shorts por conta de cada um. Nada de mais. Mas como se tratava de futebol de campo, era necessária uma chuteira.
Meu pai, conhecido por segurar despesas, não criou o menor caso com isso. No sábado seguinte, a família toda saiu a pé pelo Itaim até uma loja de material esportivo na r. Joaquim Floriano, a poucos metros da r. João Cachoeira, onde hoje fica uma agência do banco Itaú.
A loja estava cheia, mas não houve qualquer problema de atendimento. Experimentei um modelo da Topper e logo estava satisfeito com a escolha. Na época, não havia essa profusão estúpida de cores e modelos: chuteiras eram pretas, um modelo por fabricante, fim da história.
Levamos o par para o balcão e nesse momento, meu pai ficou estático. Eu não entendi nada, mas tinha alguma coisa a ver com o sujeito que atendia no caixa da loja. Era o dono da loja, pelo que entendi. 
A coisa toda entrou em stasis, e perguntei a minha mãe:
- Mãe, o que está acontecendo com o pai?
- Filho, você não sabe quem é ele, no balão?
- Não, mãe.
- É o Pedro Rocha.
- ...
- Jogador de futebol, filho.
- Ah...
- Jogou no São Paulo, e a loja é dele. Acho que é uruguaio.
- Tá, mas...
- Foi ídolo, entende?
- Eu não lembro dele, mãe.
- Normal, filho. Ele jogou antes de você nascer até você ter uns 4 anos, acho. Não ia lembrar mesmo. Mas teu pai lembra bem, e você sabe o quanto ele é sãopaulino. 
- Sei sim, mãe. 
Meu pai, aos poucos, voltou ao mundo real. O olhar de admiração continuava, mas ele precisava seguir as tarefas do dia. Pagou minha chuteira e fomos embora.

Enfim, eu não vi Pedro Rocha jogar. Dizem que era algo refinado, estiloso, lindo de ver. Dizem que os meias ofensivos de hoje em dia não mereciam sequer amarrar as chuteiras dele. Mas o fato é que Pedro Rocha vendeu minha primeira chuteira, e faz parte da minha história, portanto.
Então, na minha medida, digo:
- Obrigado, Pedro Rocha, por me conduzir ao mundo do futebol. Dencase em paz. (este texto tinha que ser em azul celeste).

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