quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Eu tenho meus direitos

Podia jurar, amigo leitor, que eu já tinha relatado esta passagem neste blog. Mas a pesquisa provou que estou errado, então vamos e ela.
Estava eu, anos atrás, atravessando o bairro de Alto de Pinheiro rumo ao meu apartamento, em Perdizes. Era a rua Alvilândia, que leva à rua Pereira Leite, essa última chegando na Heitor Penteado. O episódio aconteceu aqui:

Trata-se de uma rua apertada, onde com dificuldade passam dois carros de cada lado. Segue uma foto do local, com a colaboração do Street View.


O caso ocorreu no lado direito da foto, no sentido que sobe a rua. Alguns metros mais a frente, fica um caminhão de venda de frutas. Eu passava ali todo dia e todo dia estava lá ele vendendo abacaxis, laranjas, figos e o que mais fosse.
Essa caminhão causava algum transtorno, mas era perfeitamente legal ele estacionar ali (não vou entrar no mérito da venda de alimentos em si). Ele parava sempre no mesmo lugar, todos os dias. 
Certa vez, houve um rompimento de adutora da Sabesp no outro lado da rua, exatamente onde ele parava. Quem mora em São Paulo sabe que qualquer caninho furado merece uma interdição pela Sabesp da avenida Paulista e uma das Marginais, mas justo nesse dia, a equipe de atendimento agiu com moderação e civilidade, cercando apenas a área necessária para o conserto da tubulação. O drama começa quando pensamos que esse buraco ocupava uma pista e meia do sentido bairro. Com o caminhão parado do outro lado ocupando uma pista, acabava sobrando apenas uma pista e meia do total de 4 (2 sentido bairro e 2 sentido centro). Tempere esse cenário com ônibus nos 2 sentidos e o caos se instalou. 
Perdi bom tempo nisso até passar pelo problema. Estranhamente desestressado, estacionei logo a frente do caminhão para comprar frutas. Enquanto me dirigia, a pé, para o caminhão compreendi esse cenário todo que acabei de descrever. Depois de separar minhas laranjas, puxei conversa com o dono do caminhão:
- Amigo, você não quer estacionar um pouco mais para frente ?
- Como assim ?
- Olha aquele corsa azul. É meu. Quando eu sair, você pega minha vaga e facilita um pouco o fluxo do trânsito.
- Mas eu posso parar aqui. É permitido.
- Sim, claro. Mas...
- Eu paro onde eu quiser. Eu tenho meus direitos.
De fato, tem. Assim como eu tinha o direito de deixar as laranjas e nunca mais comprar dele, como de fato fiz. 

Lembrei desse episódio outro dia quando um cadeirante tentava subir em um ônibus na avenida Jabaquara. Embora fosse um ônibus adaptado, por alguma razão o elevador não estava funcionando. Não vem ao caso se era falha de manutenção, se quebrou no caminho, se quebrou exatamente na hora que rapaz ia subir... O fato físico é que o elevador estava quebrado. E a discussão se instalou entre o cobrador e cadeirante:
- Eu quero entrar.
- O elevador está quebrado. Pegue o próximo ônibus.
- Eu tenho meus direitos !
Tem mesmo. Tem o direito a transporte coletivo com acesso adaptado, mas não tem o direito de atrapalhar os demais usuários com uma exigência estúpida como essa. 

Há cerca de 20 anos o brasileiro começou a descobrir os direitos que tem. Mas ainda não sabe como fazer uso deles, muito menos quando é hora de abrir mão de um pouco deles em nome do bem coletivo. Por isso ainda somos terceiro mundo

5 comentários:

  1. Apenas para constar: não existe mais Terceiro Mundo.

    O problema não é o brasileiro não saber usar os direitos que tem (o que não sabe), é querer usar quando se acha prejudicado e, com isso, prejudicar o grupo todo.

    O caso do cadeirante ainda tem o agravante do que eu chamo de discriminação da minoria, mas aí é outra discussão totalmente diferente...

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  2. Ah, existe Terceiro Mundo sim, X. O Segundo Mundo pode ter desaparecido com o final da Guerra Fria, mas o Terceiro, subdesenvolvido material e principalmente mentalmente continua por aí.

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  3. Considerando que terceiro mundo é uma denominação política, que indica os países não alinhados nem com o primeiro mundo capitalista, nem como segundo mundo socialista, e que só um BOM tempo depois começou a ser usada pejorativamente como se referindo a países subdesenvolvidos (uso errado e com fins políticos, pois visava desmoralizar quem não estava alinhado) eu diria que a nomeclatura perdeu o sentido com o final da Guerra Fria.

    Se você acha que não, lembre que Cingapura, Os Emirados Árabes, o Catar, a Suíça e diversos outros países que hoje estão entre as economias mais fortes do mundo, eram chamados de terceiro mundo. Em compensação a Itália, que historicamente nunca teve uma economia muito forte (e que na última década tem ficado atrás de muita gente, entre eles o Brasil - não que isso signifique muito, porque até o ano passado a Inglaterra também estava atrás da gente) é chamada até hoje de "Primeiro Mundo".

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  4. O fato de o termo estar em desuso só mostra o quanto somos atrasados. Ainda temos uma mania louca de bater de frente com a política externa americana apenas porque sim.

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  5. Pessoalmente eu não vejo muita coisa boa em boa parte da política externa americana. Mas eu sou mais nacionalista.

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