quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Causa e efeito

Nas últimas décadas cresceu no meio científico a chamada "explicação estatística". Em alguns assuntos, os pesquisadores detectam um fenômeno e procuram correlacionar estatísticamente com diversas causas possíveis. Muito comum na área da saúde, são analisados fatores comportamentais, geográficos, alimentares, ambientais, físicos, químicos e tantos outros buscando-se a causa de um problema. Parece-me de uma certa confissão de ignorância em uma série de campos de estudo por parte do establishment mas que, por outro lado, reconhece a importância do tema debatido.
O ponto aqui é que percebe-se um problema, uma doença por exemplo, e não se conhece a causa exata para a mesma. Sabemos que virus e bactérias causa certos males como poliomielite e meningite. Mas o que causa o câncer de pulmão ?
Bem... alguém percebeu como eram comum aos pacientes de câncer com pulmão serem tabagistas, então deve ser o tabagismo o culpado. Os estudos estatísticos são contundentes. O grau de confiança (uso o termo cientificamente aqui) no resultado é elevado. E neste caso, há um aspecto importante que é pouco citado: a temporalidade. É mais do que óbvio que os indivíduos estudados tornaram-se tabagistas antes (anos, décadas) de se tornarem pacientes. Isso faz com que a forte correlação estatística indique, embora não comprove, ser um caso de causa-efeito.
O problema é que não se tem esse mesmo cuidado hoje em dia. Tomemos o exemplo a seguir:


O título da matéria está perfeitamente condizente com o estudo. Mas logo no primeiro parágrafo, minha alegria se esvai como fumaça (para não sair do tema...). Veja:

"O uso frequente de maconha antes dos 18 anos causa perdas irreversíveis na inteligência, atenção e memória, dizem cientistas da Universidade de Duke..."

Tomo a liberdade de grifar o vocábulo "causa". Não entro no mérito da correlação: assumirei que o estudo foi bem feito neste aspecto. A mesma condencendência aplicarei à seleção da amostragem e ao teste aplicado (QI). Sim, estou de relativo bom humor hoje. Mas...
Quem diabos disse que o uso da maconha causou a perda de 8 pontos de QI? Alguém aí mediu o QI antes do consumo da droga? Alguém fez um exame químico para confirmar o uso da droga? Houve grupo de controle? Foram analisados outros fatores como regionalidadem, escolaridade, alimentação e tantos outros? Duvido !
Como então se pode afirmar que o uso da droga causou esse efeito no QI ?
Não se trata de uma defesa da droga. Embora tenha dúvidas quanto à proibição em si, tenho bem claro que o consumo de todas as drogas é um erro. Não me parece sábio você secar uma folha de uma planta, queimar e aspirar a fumaça para fins recreacionais.
E é exatamente esse meu argumento aqui: fumar maconha me parece uma ideia tão estúpida que pode perfetamente ser a consequência (e não causa) do baixo QI do grupo estudado. Sinceramente, esta explicação condiz melhor com a realidade.
E você, leitor, o que acha ?

2 comentários:

  1. Não acho que o QI (alto ou baixo) tenha algo a ver com o uso ou não de maconha (ou o mesmo poderia ser dito do cigarro).

    Mas esse estudo é um caso típico que se vê em muita discussão hoje em dia: o pesquisador começa o estudo já preocupado com o resultado, não com o estudo em si.

    Nesse caso a preocupação em provar que a maconha reduz o QI tira toda a objetividade do estudo. Queria poder dizer que isso é raro, mas infelizmente esse tipo de coisa é regra, principalmente fora dos meios acadêmicos (o que eu já vi de estudo de ONG e o que o valha que comete esse erro não é brincadeira).

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  2. Depois dos 30 perdi completamente a confiança em qualquer coisa que saia na mídia mainstream, principalmente resultados de estudos.

    Numa side-note, o blog da Melania Amorim é a coisa mais fantástica mega-blaster em utilizar-se de dados científicos de forma concisa e impecável. Nunca vi nada parecido antes disso, e subiu geral o padrão para conclusões baseadas nesse tipo de estudo para mim.

    http://estudamelania.blogspot.com.br

    É sobre parto humanizado, mas a meta linguagem e os embasamentos deveriam ser compromisso geral em qualquer jornal que se preze.

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