sábado, 30 de janeiro de 2016

30 Dias de Ódio: Um Ódio Gratuito

Carnaval.
De longe, por milhas, sem sombra de dúvida, além de qualquer discussão. E admito que é um ótimo ódio para escrever sobre no final de janeiro, não?
Não é tão gratuito assim, devo admitir. Há uma origem. Conto:
Certa vez, quando garoto, viajei com a família no carnaval. De acordo com as memórias básicas, teria sido algo entre 1978 e 1983. Reexaminando, excluí 78: foi o ano no qual meu pai teve um derrame do qual se recuperou completamente exatamente durante aquele carnaval. Mesmo 79 seria antigo demais: eu lembro que já praticava tênis no clube. Fico com 80, portanto. Não importa tanto.
Viajamos para a casa do tio Márcio, irmão mais velho do meu pai, em São José do Rio Pardo. Eram 3 horas de viagem, equivalente a uma vida inteira para uma criança inquieta. Mas chegamos na casa do meu tio sem maiores intercorrências. Ocorre que tanto minha tia quanto minha prima também haviam viajado. Havia problemas familiares nos bastidores, e eu não tinha a menor noção disso. 
Também havia problemas operacionais na fábrica da Nestlé, que era dirigida pelo meu tio. A moral da história era que ele ficou o tempo todo correndo atrás das confusões que por lá aconteciam. Ela ganhava muito bem para isso, inclusive o casarão no qual ele morava e nós estávamos hospedados ficava no terreno da empresa. Então eu não tinha nada para fazer. 
Mas entenda, amigo leitor que tem um celular, um tablet, um notebook, assina netflix e tem 120 canais na teve a cabo além da internet: você sabe ler. Então tipo isso, eu mal sabia. É... definitivamente foi em 1980, ano em que aprendi a ler. Minha irmã tinha 2 anos e meio, e requeria muita atenção de minha mãe. Então eu estava sozinho, em uma casa enorme sem absolutamente nada para fazer durante todo um final de semana de carnaval. 
A única esperança era a televisão. Na época, havia 2 canais de tv em São José do Rio Pardo: Globo e Cultura. A Globo transmitia desfile das escolas de samba e a Cultura transmitia a reprise do desfile das escolas de samba do dia anterior. Só.
Amigo leitor, foi a pior viagem da minha vida, e peguei ódio visceral por tudo remotamente relacionado ao carnaval. Odeio escolas de samba, odeio samba, odeio desfiles, odeio o fato disso ser transmitido e odeio o fato de pessoas assistirem. Por algum acaso que não sei explicar, não peguei ódio do meu tio nem da Nestlé, o que dado o meu histórico seriam passos naturais. Mas odeio São José do Rio Pardo também.

Pois bem...
Passados 36 anos dessa desgraça, amostra do inferno, tortura chinesa pós-contemporânea de fazer Torquemada corar pela falta de criatividade, tanto eu quanto o mundo mudamos. Lembro do meu tio ter uma extensa biblioteca e hoje, mesmo com uma perna quebrada, eu poderia passar 4 dias lendo. Com o corpo em bom estado, posso treinar Kung Fu. O combo dos dois daria uma incrível higiene mental. O carnaval não me afeta há anos, estou longe daquele ziriguidum repetitivo patético. Eu não deveria mais odiá-lo;
Mas o ódio nunca passou. Nunca. Apesar de eu ter uma atitude de deixar as pessoas se divertirem com coisas estúpidas pelo princípio do "pessoas felizes não enchem o saco", o carnaval continua não merecendo esse tratamento. Para mim, carnaval bom é assim:






Confesso sem remorso: torço por tempestades, por incêndios, por brigas com milhares de feridos todo ano. Em como é uma coisa feita de modo incrivelmente burro, todo ano tem alguma coisa para me alegrar. 
Mas não para aplacar o ódio. Odeio carnaval, quase no mesmo nível em que odeio o Corinthians, a camisa social e a rúcula. E é gratuito hoje em dia, pois não há mais conexão com o motivo original.
Acho que se encaixa em ódio gratuito, apesar do histórico.
Odeio.


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